As grandes cidades, sempre acusadas de emitir níveis altíssimos de gases de efeito estufa, podem ser mais inocentes do que se imagina. Superpopulação, muitos carros, alta concentração de empresas e toneladas de lixo carimbam as metrópoles como um caldeirão de fontes do aquecimento global. Mas ao contrário do que se pensa, não é ali que está a maior emissão per capita dos países.
Cada nova-iorquino, por exemplo, lança à atmosfera, por ano, 7,1 toneladas de CO2 equivalente (medida-base que converte todos os gases-estufa para o de maior volume, o dióxido de carbono), menos de 1/3 da média nacional dos EUA. Em Tóquio, a emissão per capita não chega à metade da emissão nacional. Paulistas e cariocas não lançam à atmosfera sequer 1/3 do valor que corresponde à emissão per capita dos brasileiros. Nesse caso, é até fácil de entender, já que perto de 70% ou 75% do total de emissões do Brasil tem a ver com desmatamento e queimadas, porcentual ainda maior se somadas as da agricultura e pecuária.
"Mas é provável que a emissão de um paulista ou carioca de alto padrão de consumo seja equivalente ao de um nova-iorquino ou londrino", pondera o geógrafo britânico David Dodman. Ele colocou uma lupa nas emissões de 12 grandes centros urbanos da Europa, Ásia e Américas e viu que o senso-comum está equivocado. "Culpar as cidades pelas maiores emissões de gases-estufa é um engano. A culpa é do alto padrão insustentável das pessoas que estão por ali".
Quem vive em Barcelona, segunda maior cidade da Espanha, emite menos que a metade da média espanhola. A explicação para essa relativamente baixa emissão tem a ver com o perfil de Barcelona: cidade de serviços e não de manufatura, com 90% da eletricidade de fonte nuclear ou hídrica, clima ameno que não exige uso de ar-condicionado e estrutura urbana compacta.
Londres, com mais de 7 milhões de habitantes, respondia em 2006 por 8% das emissões totais do Reino Unido. A tendência da metrópole é seguir um caminho ambientalmente mais limpo - as emissões caíram um pouco de 1990 a 2006, mesmo com aumento de 700 mil moradores no período. Muitas indústrias fecharam ou se mudaram para outros lugares, dentro e fora do país. A emissão dos londrinos é a mais baixa de qualquer região do Reino Unido e chega à metade do correspondente nacional. A de Glasgow é maior e isso se explicaria pela atividade agrícola da redondeza, com emissão de metano e outros gases-estufa ainda mais nocivos que o CO2.
Dodman teve dificuldade em fazer a análise urbana, porque os inventários nacionais de emissões - as nações ricas têm que publicar todos os anos, as outras esporadicamente - possuem datas diferentes e metodologias também díspares. Mas ficou evidente que a emissão per capita dos moradores de metrópoles são bem menores que as per capita nacionais.
Segundo o pesquisador de assentamentos humanos e mudança climática do International Institute for Environment and Development (IIED), esse erro disfarça uma grande distorção na análise do problema. "Culpar as cidades tira o foco dos maiores vetores da emissão de gases-estufa, principalmente do consumo insustentável nos países mais ricos."
O raciocínio parece contraditório, o especialista explica por que não é. "O problema está nos padrões de consumo individuais e nos produtos que vão de lá para cá". Há duas exceções notáveis, Pequim e Xangai, onde a emissão per capita é maior que a nacional. Dodman levanta o debate da mudança do perfil da industrialização, em parte também porque as transnacionais se deslocaram rumo aos emergentes em busca de salários mais baixos e lucros mais altos, escreve no recém-publicado "Blaming Cities for Climate Change? An Analysis of Urban Greenhouse Gas Emissions Inventories" ("Acusando Cidades Pela Mudança do Clima? Uma Análise dos Inventários de Emissões de Gases-estufa Urbanos").
Os inventários dos países alocam as emissões de onde os produtos são feitos, mas não se registra o carbono onde são consumidos. "Meus sapatos foram feitos na China. As emissões estão computadas lá, não aqui", diz.
Outra conclusão do trabalho é que relacionar bem-estar com emissões não é um elo inevitável. Tóquio tem emissões bem mais baixas do que Xangai e Pequim. "Isso indica que não há relação imprescindível entre prosperidade crescente e emissões aumentando", afirma. O estudo traz outra sugestão surpreendente - as cidades têm potencial para ser solução do problema climático. A alta densidade populacional permite soluções em escala para transporte, energia e aquecimento.
Cidade do Cabo e Durban, na África do Sul, vêm desenvolvendo planos integrados de transporte e transformando casas de baixa renda em lares de pouca emissão de carbono. "A vantagem, nas cidades, é que as novas ideias se espalham rápido", pontua o geógrafo. "O desafio das metrópoles nos países em desenvolvimento é de separar o crescimento da emissão de gases-estufa. De percorrer um novo caminho."
(Por Daniela Chiaretti,
Valor Econômico, 23/03/2009)