Quando uma catástrofe natural deixa como resultado uma cidade devastada e 199 mortos, nem sempre o tempo, por mais longo que seja, consegue apagar certas lembranças. Na próxima terça-feira, a enchente que praticamente destruiu Tubarão, no Sul do Estado, completa 35 anos, mas as imagens de mortos boiando, casas destruídas e pessoas famintas em uma fila para receber comida ainda estão bem vivas na memória da população que viveu aquele drama.
Quem mora na região do Bairro Oficinas, na parte baixa de Tubarão, tem histórias de sobra para contar sobre a enchente. O aposentado Valmir Minatto, de 51 anos, tinha 17 quando o Rio Tubarão transbordou e deu início a uma grande calamidade. Mesmo assim ele relutava em sair de casa como toda vizinhança fez.
– Meu pai era muito teimoso, acreditava que o rio baixaria e a água já tinha subido mais de um metro. Nossa família foi a última da rua a sair de casa – lembra.
Às 22h do dia 24 de março, quando já não era possível esperar mais, Valmir, a mãe, Adília, o “teimoso” pai Valmor e cinco irmãos, além da cachorra Susi, encararam uma correnteza que se formou na rua para buscar abrigo no segundo andar de uma casa onde estavam dezenas de moradores. De acordo com Minatto, mais de 40 pessoas ficaram cinco dias ali. Dormiam como podiam, comiam o que havia e ainda tinham que lutar contra a correnteza que ameaçava derrubar a grande casa de alvenaria.
– Os entulhos, árvores, ferros e até botijões de gás batiam contra a parede e abriram buracos. Tivemos que tirar tudo dali para evitar que inundasse o segundo andar – conta.
Móvel resistente à água é guardado como lembrançaCinco dias depois, quando as águas baixaram, os moradores iniciaram a operação limpeza. A convite de um tio, Valmir Minatto decidiu ir embora para Cafelândia do Oeste, na época um próspero distrito agrícola de Cascavel (PR), mas não aguentou a saudade e retornou um ano depois para Tubarão. Quando chegou, ficou surpreso com o visual da cidade.
– Estava tudo arrumado e bonito. Nem parecia que tinha acontecido uma enchente tão grande – diz o aposentado.
A aposentada Maria Martins da Silva, 85 anos, tem ainda hoje ainda em casa um móvel que se transformou em lembrança da enchente. A estante da sala onde guarda objetos variados e fotografias da família foi um dos poucos bens que resistiram à água que inundou o Bairro Oficinas.
Quando a rua em frente de casa começou a ficar alagada, dona Maria, o marido, Benjamin, e um casal de filhos saíram apenas com a roupa do corpo para buscar abrigo na residência de uma família amiga no alto do morro do Bairro Fábio Silva. Por lá ficaram mais de uma semana.
– Ninguém vai esquecer aquela enchente. Foi assustadora. Não cheguei a ver os mortos boiando, mas isso era um assunto muito comentado por todos – recorda.
Ao voltar para casa, a família de dona Maria só encontrou lama e móveis destruídos. Algumas roupas puderam ser lavadas e reaproveitadas, mas a estante da sala ficou intacta.
– Madeira boa, a água não destrói. Às vezes, olho para ela e me lembro da enchente – conta a aposentada.
(Por Marcelo Becker,
Diário Catarinense, 22/03/2009)