Foram anunciados, em São Paulo, os resultados da expedição "Rios Voadores", trabalho realizado pelo engenheiro mecânico e piloto Gerard Moss com coordenação científica do climatologista Enéas Salati, diretor técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Durante o evento foi ressaltada a importância que a conservação da floresta Amazônica tem na manutenção do regime de chuvas no restante do país.
A expedição surgiu como a terceira etapa do programa "Brasil das Águas", trabalho iniciado em 2003 que tem como foco estudar as relações entre água e clima no país. Nesta terceira fase, Gerard Moss realizou 12 voos visando acompanhar e mapear os fluxos de umidade surgidos pela evaporação na floresta amazônica. Para tanto, o monomotor pilotado por Moss foi equipado com um sistema de captura e condensação da umidade, recolhendo mil amostras durante dois anos de trabalho.
O projeto assumiu um papel de validação para a teoria dos "Rios Voadores", elaborada por José Marenga. O pesquisador foi o primeiro a utilizar a nomenclatura para o movimento realizado por massas de umidade originárias da Amazônia. "Iniciamos um mapeamento inédito no mundo", afirmou Gerard Moss durante o evento, comemorando os diversos indícios que comprovaram a importância da floresta para a manutenção das chuvas no centro-oeste, sudeste e norte da Argentina.
Segundo Moss, a primeira informação positiva para a teoria foi a observação da taxa de evaporação da floresta. Segundo as medições, 75% de toda a umidade evaporada no oceano Atlântico e precipitada na Amazônia retornam para a atmosfera via transpiração e evaporação das árvores. "Essa evaporação forma uma grande massa de umidade que é levada pelos ventos alísios para leste, em direção aos Andes, onde tem sua rota desviada para o sudeste da América do Sul", explicou Moss.
Equipado com o instrumento de recolhimento de amostras, o aviador sobrevoou os Estados do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, buscando descobrir se as massas úmidas de cada uma destas regiões possuíam vapor proveniente da Amazônia. "Através do isolamento dos isótopos da água, é possível descobrir se elas têm origem na floresta", explicou Enéas Salati, coordenador científico da expedição. O resultado foi positivo. "Nos dias com maior potencial para chuva, encontramos partículas de vapor das árvores da floresta", afirmou o climatologista.
Os pesquisadores também afirmaram que ainda não é possível saber quanto das chuvas nestas regiões do país estão diretamente ligadas à floresta, mas, para se ter uma idéia da dimensão, a pesquisa destacou o eixo entre Corumbá (MS) e São Paulo (SP) como parte final do trajeto da umidade vinda da Amazônia. "A vazão de água real neste trecho é de 3.200 metros cúbicos de água por segundo", explicou Moss. O Rio São Francisco, que tem aproximadamente o mesmo comprimento da região destacada, apresenta uma vazão de 2800 metros cúbicos de água por segundo.
Moss também lembrou que a Amazônia não é a única responsável pela umidade no sul do país. Outros rios voadores vêm do Atlântico e do
ordeste, mas lembrou a principal importância da pesquisa. "Com certeza a Amazônia não é a única fonte de chuvas, mas é a única que está seriamente ameaçada", explicou.
Valor da floresta em péOs resultados apresentados pela expedição reforçam em mais um aspecto a importância de políticas de conservação na Amazônia. Graças à pesquisa foi possível observar a quantidade massiva de umidade que a floresta providencia para a América do sul. Segundo os resultados, a floresta chega a evaporar cerca de 20 bilhões de metros cúbicos de água em um único dia.
Para se ter idéia desta grandeza, uma única árvore evapora 300 litros de água por dia. Um paulistano tem, em média, um consumo de 280 litros de água por dia. Outra informação bastante relevante levantada pelo estudo é que um único dia de vazão provocada por um rio voador amazônico é suficiente para suprir o consumo de água da cidade de São Paulo durante 115 dias.
Porém, para que a manutenção destas correntes de umidade se mantenha funcionando, é necessário manter a floresta em pé. "Mesmo em estações secas, a floresta mantém esta evaporação puxando água de lençóis freáticos por meio de suas raízes. Uma área de pastagem desmatada não tem a mesma propriedade", explica o Enéas Salati.
Além disso, existe um fator de temperatura. De todo o calor irradiado pelo sol para a região amazônica, 40% é utilizado na evaporação de água das árvores, e somente 60% acaba esquentando o ar. "Com a devastação das florestas, as temperaturas na região tendem a subir drasticamente, gerando mais extinção da biodiversidade amazônica", alertou Salati.
O climatologista ainda concluiu de maneira incisiva. "As informações que tínhamos antes desta pesquisa já eram mais do que suficientes que se pare o desmatamento. O lucro gerado pelo desmatamento não vale o preço da floresta em pé". Gerard Moss ainda completou: "só quando perdermos estes serviços ambientais prestados pela floresta saberemos o quanto eles valiam".
(Por Fabio Bonamone,
Amazonia.org, 19/03/2009)