O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, fez nesta quarta (18/03), na retomada do julgamento da Raposa/ Serra do Sol (Roraima) um ataque ao trabalho da Fundação Nacional do Índio ao dizer que "o processo de demarcação é muito sério para ser tratado pela Funai". O julgamento foi retomado ontem, mas não terminou e continuará hoje (19/03).
Votaram Marco Aurélio Mello e Celso de Mello que deixaram o resultado parcial em 9 a 1 pela demarcação contínua e retirada dos não índios da região, posição defendida pelo relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto. Falta ainda o voto de Mendes. Marco Aurélio foi o único a votar pela presença de arrozeiros na área dos não índios.
O presidente da Funai, Márcio Meira, que acompanhava a sessão do plenário, disse que discordava da posição de Mendes. "A Funai tem responsabilidades sérias. Prova disso é o resultado do processo de demarcação de terras no Brasil nos últimos 40 anos, inclusive a Raposa, consagrada pelo Supremo até o momento."
O STF ainda precisará discutir como tornar prática a decisão sobre a demarcação. O caso da Raposa está sendo analisado pela Justiça desde março de 2008, quando o STF suspendeu a ação da Polícia Federal para retirar fazendeiros da área.
A tensão causada pela presença de não índios na Raposa, que tem superfície de 1,7 milhão de hectares, data pelo menos dos anos de 1970, época em que a ditadura militar empreendeu política de ocupação do norte do país. Alguns dos arrozeiros presentes na área (restaram atualmente cinco) dizem ter chegado lá naquele período.
Demarcada em 1998, durante o governo FHC (1994-2002), a reserva foi homologada por decreto do presidente Lula em 2005. O caso divide governo federal, governo de Roraima, igreja, índios e ONGs (organizações não governamentais).
Marco Aurélio, responsável pelo pedido de vista que suspendeu a última sessão, em dezembro, propôs a nulidade do processo demarcatório, alegando que ele contém vícios, e sugeriu uma nova elaboração, levando em conta os interesses do Estado, dos três municípios existentes no interior da reserva, dos rizicultores e dos demais não índios.
Após o voto de Marco Aurélio, Ayres Britto pediu a palavra e rebateu argumentos sobre vícios no processo, protagonizando um desentendimento com o colega. Ao ouvir o relator, Marco Aurélio afirmou: "Respeito o voto alheio e não penso que seja adequado fazer críticas ao voto do colega".
Depois de Marco Aurélio, o ministro Celso de Mello acompanhou a posição do relator. A maioria dos ministros também concorda com a proposta do ministro Carlos Alberto Direito, que sugeriu a criação de 18 condições para manter a reserva como ela foi definida -esses pontos também serão discutidos na retomada do julgamento hoje.
(Por Felipe Seligman e Lucas Ferraz,
Folha de S. Paulo, 19/03/2009)