Uma pesquisa realizada por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos mostrou, pela primeira vez, que mamíferos hibernantes, ao despertar do estado letárgico, sofrem um processo de estresse oxidativo.
Feito com esquilos do Ártico coletados na estação de Toolik Field, no norte do Alasca (Estados Unidos), o trabalho revelou que, com o fim da hibernação, o abrupto aumento da temperatura corporal e da atividade metabólica dos animais pode induzir a uma elevada produção de radicais de oxigênio, levando a danos oxidativos nos tecidos. O estudo, publicado na revista canadense Comparative Biochemistry and Physiology, foi feito por Marcelo Hermes-Lima, professor do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília (UnB), em colaboração com Kelly Drew, professora do Instituto de Biologia do Ártico da Universidade do Alasca em Fairbanks, e suas alunas Adrienne Orr e Lonita Lohse.
A participação de Adrienne e Lonita, de origem esquimó e indígena, respectivamente, ocorreu no âmbito de um programa de pesquisas especialmente voltado para populacões nativas da região.
De acordo com Hermes-Lima, o estudo analisou células do cérebro, do fígado e do tecido adiposo marrom (BAT, na sigla em inglês) dos esquilos, mas só neste último – o tecido responsável pelo reaquecimento do animal ao despertar – foram verificados danos causados por radicais livres.
“Apesar dos danos em nível molecular, o animal segue vivendo normalmente. Trata-se de um estresse oxidativo fisiológico, ou natural. O estudo é o primeiro a mostrar que o despertar da hibernação em mamíferos causa esse processo”, disse à Agência FAPESP.
Segundo ele, o processo de hibernação não corresponde exatamente ao que é imaginado pelo senso comum. Os animais não dormem ininterruptamente durante todo o inverno, mas despertam e adormecem sucessivamente durante o processo – depois de uma ou duas semanas de sono contínuo, passam dois ou três dias acordados.
“Não queríamos comparar o processo em esquilos em hibernação com o dos esquilos acordados, no verão. Por isso, o método usado foi o de acordar os animais durante a hibernação para medir os indicadores de estresse oxidativo”, disse.
Ao despertar, os animais passam, abruptamente, de uma temperatura corporal de cerca de 2ºC para 37ºC. A grande necessidade de calor necessária para isso desencadeia uma intensa atividade mitocondrial.
“Estudamos animais que estavam dormindo há uma semana continuamente. Um grupo foi selecionado para ser acordado e outro grupo foi sacrificado enquanto hibernava. Medimos os tecidos durante o estado de hibernação e também três horas depois do despertar, já com a temperatura corporal de 37°C”, contou.
A comparação confirmou que os indicadores de estresse oxidativo – danos em proteínas e em lipídios – estavam aumentados no BAT dos animais que haviam saído da hibernação.
Segundo Hermes-Lima, como se tratava de esquilos selvagens colocados em cativeiro, foi preciso realizar o trabalho com dois grupos distintos – um deles coletado em 1999 e 2000 e outro em 2002. “É diferente de trabalhar com animais de biotério, pois há muitas variáveis imprecisas, como sexo, idade e o efeito de estresse causado pelo cativeiro. Mas o resultado foi o mesmo com os diferentes grupos”, afirmou.
Preço metabólicoDe acordo com o professor da UnB, os resultados do estudo reforçaram uma hipótese que formulou no início da década de 1990 de preparação para o estresse oxidativo. Segundo a hipótese, os animais em hibernação, com baixa taxa metabólica e falta de oxigênio, investem suas forças metabólicas no aumento das defesas antioxidantes para o momento da difícil transição de estado. Ou seja, os esquilos possivelmente acumulam uma reserva de antioxidantes para se manter ilesos quando forem submetidos ao estresse oxidativo na hora de acordar.
“Produzir antioxidantes é um processo metabolicamente caro – o organismo só faz isso em caso de extrema necessidade, especialmente em um estado em que a taxa metabólica cai tanto. É possível que esses antioxidantes estejam aumentados para garantir uma proteção, indispensável, para o momento do despertar”, disse.
Segundo Hermes-Lima, o avanço do conhecimento sobre a hibernação tem grande interesse biomédico, pois poderá ajudar a compreender os mecanismos de neuroproteção envolvidos no processo.
“Queremos aprender as lições dos animais para se proteger em situações de baixa taxa metabólica e estresse provocado por condições do ambiente. Esses estudos podem ser importantes para solucionar problemas em humanos que envolvem radicais livres e causam dezenas de doenças. Sabemos também que várias doenças cardíacas seguem um padrão semelhante ao que ocorre com o organismo de animais em hibernação”, disse.
(Por Fábio de Castro,
Agência Fapesp, 18/03/2009)