Moradores do "arco do desflorestamento", onde estão concentrados os desmates na Amazônia, estão expostos a um índice de poluição até 17 vezes o limite estabelecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) devido às queimadas, o que resulta em aumento no número de consultas e internações hospitalares por doenças respiratórias e redução expressiva na capacidade pulmonar de crianças e adolescentes.
A conclusão é de uma pesquisa inédita realizada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em conjunto com outras instituições, em dois municípios de Mato Grosso: Alta Floresta e Tangará da Serra. O estudo comprova os efeitos nocivos das queimadas à saúde dos moradores da região ao mostrar que a poluição nos períodos críticos da queima atinge níveis "muito mais elevados" que o observado em grandes regiões metropolitanas do país.
Cerca de 60% das emissões originadas pelas queimadas são de partículas menores do que 2,5 micrômetros (a milésima parte do milímetro), capazes de penetrar profundamente nos pulmões. O limite aceitável para a concentração das partículas, segundo a OMS, é de 35 microgramas por metro cúbico.
No período das chuvas, a concentração fica em torno de 15 microgramas por m3 na região amazônica. Na seca (julho a outubro), quando têm início as queimadas, o mesmo indicador sobe para 300 e, em alguns municípios, até 600 microgramas por m3.
Aumento nas internaçõesDe acordo com a pesquisa, cada dez microgramas de aumento na concentração das partículas na atmosfera correspondem a uma elevação de 7% nas internações por doenças respiratórias em crianças e idosos e a uma redução na capacidade pulmonar de crianças e adolescentes de 0,34 litro por minuto de ar expirado.
"A população residente na área do arco do desflorestamento tem sido exposta, desde o nascimento, a níveis elevados de poluição atmosférica durante cerca de três a quatro meses por ano", diz a pesquisadora Eliane Ignotti, da Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso).
Os levantamentos realizados em Alta Floresta e Tangará da Serra indicam uma prevalência de asma acima da média nacional para as faixas etárias de seis a sete anos: 21% e 26%, respectivamente. A média é 20%.
Iniciado em 2006, o estudo envolve pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), da Unemat e da ONG Fundação Ecológica Cristalino. Os resultados correspondem à primeira fase do trabalho, concluída em dezembro de 2008.
Um dos objetivos da segunda etapa, diz Ignotti, é verificar se a fumaça das queimadas tem relação com doenças cardiovasculares, partos prematuros e baixa frequência escolar. Outra linha de pesquisa buscará investigar possíveis danos em nível celular e, para isso, analisará as crianças.
"Além de serem mais suscetíveis ao desenvolvimento de agravos oriundos da exposição a agentes tóxicos, [as crianças] também sofrem uma menor influência de possíveis fatores associados a danos ao DNA, como o tabagismo e o alcoolismo."
Segundo a pesquisadora, a relação entre as queimadas e os problemas respiratórios parece óbvia, mas nunca foi medida. "Somente agora é possível afirmar categoricamente que os prejuízos das queimadas vão além da questão ambiental."
(Por Rodrigo Vargas,
Folha de S. Paulo, 18/03/2009)