Pesquisadores brasileiros descobriram uma espécie que, após 8.000 anos isolada mantendo uma população de cerca de 40 indivíduos, praticamente não apresenta mais diversidade genética. Os animais são tão parecidos entre si que um teste de paternidade através do DNA, como o utilizado em humanos, não seria viável entre eles.
Os preás da ilha catarinense vivem muito bem, obrigado, em uma área equivalente à de um campo de futebol -menos de um hectare. Pelas teorias genéticas tradicionais, ela deveria estar extinta há tempos. "Parece claramente ser o caso mais extremo conhecido de uma espécie vivendo tanto tempo com uma população tão pequena", diz o geneticista Sandro Bonatto, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul.
"Pelos padrões clássicos, ela não poderia estar viva. Esses animais podem mudar nossa compreensão da biologia das pequenas populações." Os pesquisadores encontraram os animais em uma das ilhas do arquipélago de Moleques do Sul, a 8 km da ponta sul da ilha de Florianópolis.
A espécie, a Cavia intermedia, é prima do preá que fica no litoral do continente, a Cavia magna. Uma possibilidade é que, após o término da última era do gelo, há cerca de 8.000 anos, quando o nível do mar subiu, elas tenham se separado. Os poucos indivíduos ilhados deram, então, origem a uma nova espécie, que com o tempo se adaptou às condições da ilha: pouco espaço, vegetação baixa e nenhum predador.
O pouco espaço resultou numa população pequena. A ilha tem cerca de dez hectares, mas boa parte do terreno é rochoso. Sobra para os preás um décimo disso, em uma área com grama. Essa vegetação baixa fez com que eles ficassem menores do que os seus primos, que têm acesso a mais comida.
Os preás são os únicos mamíferos da ilha. A ausência de predadores, aliada à estabilidade climática do local -aparentemente nenhuma catástrofe natural aconteceu nos últimos tempos por lá-, permitiu milênios de sossego. Os cientistas sabem que a população nunca foi grande porque todos são geneticamente parecidos, como se toda a espécie fosse uma grande família.
Para verificar a proximidade genética entre os preás, o grupo de Bonatto recorreu ao mesmo tipo de exame de DNA usado em testes de paternidade. "É uma das menores diversidades genéticas observadas no reino animal", diz Ricardo Kanitz, também da PUCRS.
O incesto, portanto, é comum. Em humanos, filhos de parentes podem nascer com alguns tipos de deformação. Não é o caso desses animais: como a população é muito pequena, os cruzamentos que poderiam gerar filhotes defeituosos já aconteceram e os alelos (versões de um mesmo gene) que poderiam causar problemas já foram eliminados pela seleção natural. É normal, portanto, que um filhote seja filho de irmãos.
Essas deformações não são frequentes o suficiente para extinguir uma espécie, mas a inexistência delas é sinal de que os preás se adaptaram à sobrevivência em um pequeno grupo.
AmeaçasComo qualquer grupo pequeno e isolado, entretanto, os bichos correm riscos. A ilha está dentro do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, o que deveria limitar o acesso a ela. Mas, na prática, não é assim. "Alguns pescadores vão lá, usam como base para trabalhar. O perigo é soltar um gato, um cachorro ou algo assim sem querer e ele acabar com os preás", diz Bonatto.
Além de gatos fujões, eventuais catástrofes naturais também oferecem perigo aos preás. "Um furacão, por exemplo, poderia matar todos", diz Bonatto. E um já aconteceu, em 2004. Além de Bonatto e Kanitz, participou do trabalho Carlos Salvador, então na Universidade Federal de Santa Catarina.
Ao contrário dos preás, todas as espécies com poucos indivíduos vistas até hoje estavam no rumo da morte, fosse natural, fosse por ação humana. "Alguns trabalhos afirmam que uma espécie, para sobreviver a longo prazo, deveria ter no mínimo 500 indivíduos", diz Kanitz. "Talvez os preás proporcionem lições importantes de estratégias de conservação", concorda Bonatto.
(Por Carlos Mioto,
Folha de S. Paulo, 18/03/2009)