Relatórios do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cruzados com dados do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho revelam que, no ano passado, o banco desembolsou R$ 1,1 bilhão para três usinas de açúcar e álcool multadas pela situação degradante de trabalhadores -duas das multas foram aplicadas antes da liberação dos recursos.
A reportagem é de Eduardo Scolese e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 17-03-2009.
Segundo os documentos, as multas foram aplicadas em 2008, totalizam R$ 540 mil e têm como justificativa a contratação de trabalhadores por meio de "gatos" (como são chamados os aliciadores desse tipo de mão-de-obra), alojamentos precários, jornadas extenuantes, transporte irregular e falta de equipamentos de proteção.
O BNDES, cuja propaganda institucional fala em "cláusulas socioambientais" nos contratos desde dezembro de 2007, declara não ter competência legal para julgar empresas sob investigação, mas, diante de uma eventual condenação, poderá suspender ou revisar os contratos.
As três usinas estão instaladas no interior de Goiás. Nenhuma delas, porém, aparece na "lista suja" do Ministério do Trabalho, em que estão as empresas que tenham sido flagradas com trabalhadores em condição análoga à de escravos.
Apesar da situação degradante relatada, não foi detectada a "servidão por dívida", quando os funcionários são forçados a ficar nas propriedades até saldarem débitos contraídos com os empregadores na "compra" de alimentos, roupas e equipamentos de trabalho.
Contratos e flagrantesA Usina São João Açúcar e Álcool, por exemplo, recebeu R$ 456,6 milhões do BNDES para ampliar duas usinas no interior de Goiás. Uma delas, a Agropecuária Campo Alto, em Quirinópolis (294 km de Goiânia), teve no ano passado 24 autos de infração, com 421 encontrados em situação degradante, com más condições de alojamento e falta de equipamentos de proteção individual, segundo o Ministério do Trabalho. A fiscalização ocorreu em maio (multa de R$ 176,6 mil), e o contrato foi assinado em junho.
A Rio Claro Agroindustrial recebeu R$ 419,5 milhões para implantar três unidades de processamento de cana. Numa delas, em Caçu (340 km de Goiânia), foram encontradas más condições de alojamento e falta de equipamentos de proteção. O Ministério Público do Trabalho fala em "situação de degradância" na localização dos trabalhadores. A fiscalização ocorreu em fevereiro (com multa de R$ 234,6 mil), e o contrato com o BNDES foi fechado em dezembro.
A Usina Porto das Águas recebeu R$ 278,9 milhões para uma unidade em Chapadão do Céu (595 km de Goiânia). Nessa unidade, além de denúncias de trabalhadores aliciados por "gatos" e submetidos a trabalho degradante, foram encontradas más condições de alojamento e falta de equipamento. O contrato foi assinado em maio, e a fiscalização ocorreu em junho, com multa de R$ 128,6 mil.
As empresas dizem que buscaram se readequar às normas trabalhistas.
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Instituto Humanitas Unisinos, 17/3/2009)