A crise financeira que abala o mundo no presente, com seu séquito de más notícias, como desemprego, bancos falindo, queda das exportações e "déficits" orçamentários, além da rapidez com que ocorreu, deixa a impressão de que há menos de um ano vivíamos num paraíso e que a prosperidade resultante da globalização da economia mundial duraria para sempre. Isso é o que torna a situação atual mais deprimente, sobretudo porque não se vê solução fácil para a crise e existem dúvidas se os remédios adotados até agora pelos governos de todos os países darão resultado.
Ocorre, contudo, que muitos se esquecem que há anos o mundo já estava atravessando uma crise muito séria, a "crise do petróleo", que foi pouco sentida no Brasil, uma vez que somos autossuficientes nessa área graças ao trabalho da Petrobrás. No entanto, suas consequências podem ser mais duradouras do que a crise financeira que atravessamos e que foi provocada pela "bolha" de hipotecas imobiliárias nos Estados Unidos. O que ocorreu naquele país é que a febre consumista fez com que as pessoas comprassem casas e se endividassem além da sua capacidade de pagar as dívidas e o governo não exerceu seu papel de fiscalização.
Com o petróleo ocorreu algo semelhante: há vários anos o consumo na China cresceu vertiginosamente, à medida que os chineses começaram a comprar automóveis em grande escala, ao mesmo tempo que as reservas mundiais de petróleo começaram a diminuir em quase todos os países produtores, exceto na Arábia Saudita.
Com menos oferta e mais procura os preços do petróleo "explodiram" até atingir US$ 150 por barril, auxiliados, é claro, por especuladores que apostaram no aumento do preço, como confessa agora o megainvestidor americano Warren Buffet, considerado o homem mais rico do mundo. O que era uma profecia acabou se tornando realidade. Bastou o consumo da China cair para que a "bolha" explodisse e o preço do petróleo caísse para seu preço natural, abaixo de US$ 50 por barril.
Os problemas com o petróleo se refletem também no gás e agravam a situação que estamos enfrentando nessa área. Além disso, a humanidade não pode continuar dependendo de combustíveis fósseis - não só porque as reservas se estão esgotando (exceto o carvão), mas por dois outros motivos:
A dependência crescente de importações de petróleo do Oriente Médio. Só para dar um exemplo, 60% do petróleo consumido nos Estados Unidos vem daquela região politicamente volátil. No caso do gás, a dependência dos países da Europa Ocidental do fornecimento da Rússia é um sério fator de instabilidade. Esse é o caso também do fornecimento de gás da Bolívia para o Brasil; e os problemas ambientais causados pelos combustíveis fósseis, que vão desde a poluição urbana até o aquecimento do planeta.
É nisso que a crise financeira, que parece tão grave, se distingue da crise de energia: ela é reversível e vai acabar se resolvendo, como ocorreu com a crise mundial de 1929 - a "Grande Depressão" -, enquanto o aquecimento global vai ter consequências irreversíveis.
A crise econômica vai exigir reformas importantes na economia mundial e abre, portanto, oportunidades para reconstruir a economia em bases mais sólidas do que uma "economia de petróleo" ou de combustíveis fósseis. Hoje cerca de 80% de toda a energia que se consome atualmente no mundo se origina no petróleo, no carvão e no gás.
O que isso significa é que deverá ser expandido o uso de energias renováveis como a hidrelétrica, a eólica (energia dos ventos), a conversão direta de energia solar em eletricidade e principalmente o uso de biomassa na forma de etanol como substituto da gasolina. No mundo de hoje elas representam apenas 5% do consumo, mas no Brasil sua contribuição é superior a 40%.
Esse é o caminho que a União Europeia decidiu seguir. Ela pretende aumentar a participação de energias renováveis para 20% até o ano 2020, e o mesmo caminho está sendo proposto nos Estados Unidos pelo presidente Barack Obama, em contraste com as políticas seguidas na administração do presidente George W. Bush.
Ao privilegiar energias renováveis os países se tornam menos vulneráveis às importações de combustíveis, porque em geral elas são produzidas no próprio país e reduzem as emissões de gases que provocam o aquecimento global e outros poluentes. Deve-se levar em conta, também, que a maioria das fontes renováveis de energia tem características modulares e pode ser instalada em unidades menores (e ampliadas progressivamente) do que as megausinas que exigem grandes investimentos iniciais antes que comecem a produzir energia.
Numa época de acesso difícil ao crédito bancário, essa é uma vantagem evidente. Além disso, energias renováveis geram muito mais empregos do que combustíveis fósseis ou usinas nucleares. Só para dar um exemplo, a Petrobrás (com seus mais de 50 mil empregados) produz por dia 2 milhões de barris de petróleo. A produção de etanol da cana-de-açúcar é de 300 milhões de barris por dia (sete vezes menor), mas gera dez vezes mais empregos.
Enquanto a crise financeira é artificial, no sentido de que foi gerada por especuladores e banqueiros irresponsáveis, a crise de energia que o mundo enfrenta é real e só será resolvida com novas tecnologias. Talvez por isso os japoneses - com sua civilização milenar - usam para as palavras "crise" e "oportunidade" um mesmo ideograma.
(Por José Goldemberg,
Estado de S. Paulo, 16/03/2009)
* José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo