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2009-03-16
Santarém, Pará – O Príncipe Charles decidiu conhecer, em sua quarta visita ao Brasil, uma iniciativa não-governamental na Amazônia que conseguiu reduzir quase pela metade a mortalidade infantil e o analfabetismo, organizando comunidades pobres para que sustentem seu próprio desenvolvimento. O Projeto Saúde e Alegria (PSA) já recebeu muitos prêmios, inclusive no exterior, e visitas ilustres, como a do herdeiro do trono britânico. Os responsáveis pelo projeto esperam que esses apoios ampliem sua visibilidade internacional e ajudem a superar atuais travas financeiras.

Reproduzir a experiência em outros focos de pobreza é o novo sonho de Eugenio Scannavino Neto, fundador do projeto. “Desenvolvemos uma metodologia que pode ser aplicada em qualquer lugar”, inclusive nas periferias urbanas. “Ela é barata e apresenta resultados em poucos anos, só dependemos dos recursos”, afirma. Tudo começou há 25 anos, quando Scannavino abandonou as metrópoles – São Paulo, onde vivia, e Rio de Janeiro, onde estudou medicina – a fim de se mudar para Santarém, município de quase 300 mil habitantes na Amazônia oriental, e levar saúde a quem mais necessita, de forma inovadora e integral.

Começou na prefeitura local em 1984 e 1985, mas optou por criar uma organização não-governamental, o Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental, mais conhecido como (PSA), para garantir a continuidade e a liberdade de ação, sem condições partidárias. Medidas simples de saneamento, como canalisar a água e disseminar o uso de cloro para sua esterilização, além da vacinação e fossas cépticas com tampas de concreto construídas com trabalho comunitário, reduziram as mortes infantis para 27 por mil nascidos vivos nas 150 comunidades atendidas pelo PSA, que somam 30 mil pessoas. Na população próxima não atendida pelo projeto este índice é de quase 52 por mil. E o analfabetismo entre maiores de 15 anos é de 5,49% nas comunidades do PSA e de 11,27% nas demais.

A saúde é eixo das ações, identificada com problema principal nos diagnósticos participativos. Mas é um conceito amplo, pois compreende meio ambiente, educação e segurança alimentar, por isso exige um desenvolvimento econômico sustentável. A alegria e a comunicação são instrumentos decisivos. A alegria se personifica em Paulo Roberto de Oliveira, mais conhecido como Magnólio, seu nome como palhaço. Comanda o Grande Circo Mocorongo, que mobiliza as comunidades e ensina cuidados de higiene e prevenção de doenças, com o riso. Suas brincadeiras e jogos coletivos evitam que as pessoas durmam ou se aborreçam nas reuniões que faz, com um dos três coordenadores do PSA.

Também de São Paulo, Magnólio estudou direito, serviço social e educação física. Deu aula desde o ensino básico ao universitário, até que Scannavino o convidou para o projeto como responsável pedagógico. Antes, havia feito um curso de artes circenses junto com seu irmão, onde aprendeu acrobacias, equilibrismo, malabares e humor. A arte circense é uma profissão que pode ser exercida inclusive quando se é idoso, mas é preciso aprendê-la cedo, disse o avô que lhes recomendou o circo. A dupla de irmãos teve sucesso executando números de palhaços acrobatas, mas depois se separou e Magnólio ficou em Santarém.

Mocorongo é um circo ativo, sem separação entre atores e platéia, que também expressam suas idéias na linguagem circense, explicou o “palhaço ecológico”. Crianças e adultos pintam os rostos e participam do espetáculo. Todos e todas são artistas e todo o pessoal do PSA executa em algum momento alguma rotina circense. Mocorongo é o gentílico de quem nasce em Santarém, no norte do Pará, onde se encontram as águas dos rios Amazonas e Tapajós. O projeto também apela para métodos do Teatro do Oprimido, o da rua, formulado pelo tramaturgo brasileiro Augusto Boal. As situações teatralizadas ensinam a prevenir doenças ou usar o soro caseiro contra a desidratação, por exemplo.

Dezenas de homens correndo para um círculo de mulheres retratam a disputa entre os espermatozóides, na qual apenas o campeão fecundará o óvulo. É parte da educação sexual que busca evitar doenças sexualmente transmitidas, com a aids. Essa forma divertida de educar par à saúde e a cidadania faz com que as pessoas aguardem o regresso do barco “Abaré”, o hospital móvel e instrumento mais visível do PSA, que periodicamente navega de uma comunidade ribeirinha a outra, para dar assistência médica e odontológica, vacina, planejamento familiar e até pequenas cirurgias.

O PSA é um “grande projeto de educação” em saúde, economia e gestão de interesses locais pela própria comunidade, mas a educação é a dimensão mais importante, define Magnólio. O projeto se estrutura em programas de saúde comunitária e economia florestal e a trilogia educação,cultura e comunicação. Todos convergem na organização comunitária, objetivo que assegura o desenvolvimento das comunidades por sua própria gestão, segundo Scannavino Neto. Seu irmão, Caetano Scannavino Filho, também coordenador-geral do PSA, mas voltado a funções administrativas, considera a economia “o maior desafio atual” do projeto, pela dificuldade em gerar renda de forma sustentável para toda a população.

Os recursos naturais, como peixes e bens florestais se tornam escassos, e limitam as atividades extrativas, enquanto soluções como a agroecologia exigem muitos anos para se consolidarem, e “ninguém financia em prazo tão longo”, afirma o coordenador-geral.  Processar os frutos para agregar valor exige tempo, energia e capitais não muito disponíveis na região, acrescenta. O PSA atua no baixo rio Tapajós e em seu afluente Arapiuns, perto do Amazonas. As comunidades beneficiadas são ribeirinhas e vivem em duas áreas de conservação ambiental onde podem aproveitar os recursos naturais, mas de forma limitada pela sustentabilidade.

As casas das aldeias são sobretudo de madeira e erguidas longe dos rios para evitar inundações. O nível do baixo Tapajós sob mais de seis metros em época de chuva, submergindo as praias e empurrando o turismo para o segundo semestre do ano, durante a temporada de estiagem. Organismos governamentais construíram aqui muitas casas de tijolos e cimento para evitar o uso de madeira, mas suas casas são criticadas por serem muito fechadas, contrariando a arquitetura local, e não ajudam a suportar o calor.

A população local de caboclos (de cultura florestal e mestiçagem indígena) “não tem mentalidade empreendedora”, um caráter agravado pelos amplos programas oficiais de transferência de renda, e seu tradicional “modo de produção é insustentável”, pois se baseia na queima de florestas e no cultivo de mandioca, “que exige muito trabalho e vale pouco”, diz o italiano Davide Pompermaier, incorporado ao PSA há 15 anos. Mas o Núcleo de Economia Florestal que Pompermaier coordena obtém resultados no fomento do artesanato, ecoturismo comunitário, produção agroecológica e geração elétrica, especialmente a solar. Sua orientação é “investir nos jovens para mudar a mentalidade” e produzir mais alimentos de forma sustentável.

Santarém foi governada por uma mulher nos últimos anos e os sindicatos de trabalhadores rurais incorporaram aos seus nomes a palavra “trabalhadoras”, refletindo avanços para a igualdade de gênero na região. Mas o PSA continua tratando a questão da discriminação feminina, especialmente em relação à infância. A juventude da região se mobiliza e ganha novos horizontes principalmente através do programa de Educação e Comunicação (Educom) do PSA. A Rede Mocoronga de Comunicação envolve 350 jovens em rádios comunitárias, produção e distribuição de pequenos periódicos, vídeos e programas de televisão.

Os telecentros culturais, seis já implantados e cinco em processo, potenciaram a comunicação e a mobilização. São casas ecológicas de madeira, de dois andares, com o primeiro aberto para reuniões e atividades culturais e o segundo dedicado à inclusão digital. Fábio Pena, de 29 anos, é um símbolo do PSA. Começou participando das atividades aos 10 anos em sua comunidade às margens do Amazonas, a três horas de barco de Santarém. Hoje, formado em pedagogia, coordena o Núcleo da Educom. “Nosso trabalho é criar oportunidades de aprendizagem e inclusão das novas gerações ribeirinhas”, para que tenham uma vida melhor na própria comunidade, e o êxodo para as grandes cidades não seja a única alternativa, explica Pena. Hoje, vários jovens presidem associações comunitárias.

As novidades tecnológicas, como os telecentros e os vídeos, levaram os jovens a resgatar a cultura local, ao contrário do que se temia, que terminaram seduzidos pela modernidade urbana, destacam os diretores do PSA. Elis Lucien Barbosa começou como voluntária e hoje faz parte da equipe do Educom. Está orgulhosa de ser boa “palhaça”, apóia as publicações comunitárias e os blogs, que se multiplicaram nos telecentros. Como professora, cuida em influir “indiretamente” nas escolas a favor de um ensino mais atraente e adequado à realidade local.

Mônica de Almeida, de 20 anos, é uma líder formada na Rede Mocoronga e uma produtora de vídeo que estudou na Suécia, na Escola Nórdica de Vídeo Participativo, que periodicamente envia ao Brasil uma equipe para dar painéis a jovens do PSA. Hoje, Mônica coordena em Belterra, município vizinho de Santarém, “o telecentro que trouxe a era da Internet à cidade”, ao capacitar mais de 700 pessoas em seus cursos, afirma. Antes, os cibercafés quebravam por falta de usuários, explica. Além disso, produziu cinco vídeos, sobre temas como gravidez na adolescência e desemprego juvenil, e deu painéis sobre blogs corporativos. Estas jovens representam a continuidade do desenvolvimento local promovido pelo PSA, diz o fundador do projeto,Scannavino Neto.

(Por Mario Osava, Envolverde / IPS, 13/03/2009)

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