O pouco que resta de floresta de araucária no Paraná – só 0,8% do que existiu permanece preservado – está sendo sistematicamente derrubado. Uma série de fiscalizações ambientais indica que 30 caminhões carregados de toras de árvores nativas circulam livremente todos os dias na região Centro-Sul do estado. São pinheiros que viram carvão; imbuias que já saem da mata transformadas em palanques de cerca; e cedros, na forma de cavaco, que alimentam caldeiras.
Araucárias de mais de 100 anos e com 1,55m de diâmetro foram encontradas no chão, estaleiradas, prontas para serem transportadas para serrarias. Fiscais acharam chapas de compensado feitas de pínus nas lâminas externas e recheadas com madeira nobre. Esse foi o cenário encontrado por operações conjuntas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Polícia Federal realizadas nos últimos seis meses. A ação resultou em 31 autos de infração, com multas que totalizam R$ 6 milhões, e na apreensão de 1,3 mil metros cúbicos de madeira – quantidade suficiente para encher 86 caminhões. São muitos os envolvidos que estão sendo investigados.
As fiscalizações partiram de um estudo de prioridade de área de combate ao desmatamento. O levantamento foi realizado em parceria pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Ibama, em todo o Brasil. E, no Paraná, o mapa apontou que a região mais afetada e que exige mais atenção dos órgãos ambientais é a Centro-Sul – onde estão as áreas mais bem preservadas de floresta de araucária. Essas matas ainda estão em pé, acredita o superintendente estadual do Ibama, José Álvaro Carneiro, porque a topografia montanhosa e a dificuldade de acesso pelas estradas representavam desafios que podiam ser protelados enquanto outras regiões mais acessíveis eram exploradas.
Carneiro acrescenta que na área em que se concentra a fiscalização confluem quatro das seis maiores bacias hidrográficas do Paraná. O Rio Iguaçu, que aumenta em quase dez vezes o volume ao passar pelo Centro-Sul, por exemplo, depende essencialmente da presença da vegetação para continuar sendo abastecido de água.
O helicóptero tem sido um aliado essencial na comprovação do desmatamento. É que os madeireiros usam estradas de pouco movimento para minimizar as chances de encontrar fiscais e delatores, agem preferencialmente à noite e evitam derrubar áreas que chamem muita atenção. À exceção do desmate para transformar a terra em área de lavoura, não são mais devastadas áreas grandes. “Aproximadamente 80% do desmate é de corte seletivo. São tiradas as árvores que mais interessam economicamente. Assim, a área fica empobrecida, viabilizando o corte total num momento futuro, e não aparece nas imagens de satélite”, explica o superintendente do Ibama.
Os sobrevoos rasantes de helicóptero servem para identificar esse tipo de desflorestamento. Muitos flagrantes são percebidos na vistoria aérea e rendem cerca de três meses de trabalho de fiscalização em terra. “Como seria possível, dentro de uma fazenda enorme, achar onde está a derrubada? Não vamos encontrar nada ao lado da sede da propriedade ou na beira da estrada”, salienta.
As investigações ainda estão apurando quem são os proprietários de terras, os madeireiros e os receptadores das toras. Até agora, 12 inquéritos foram instaurados pela Polícia Federal. Segundo Carneiro, há desmatadores contumazes. Pessoas que sabem como funciona a burocracia estatal – ou que algumas pessoas são facilmente corrompidas – continuam cortando árvores nativas na certeza da impunidade. Eles acreditam que sempre vão conseguir protelar ou mesmo contestar as multas recebidas. Mas os esforços de repressão e os entraves burocráticos para a autorização de corte já tiveram efeitos e acabaram tirando o valor comercial da araucária. Dificilmente, por exemplo, ela vai para a fabricação de móveis. A madeira do pinheiro é negociada basicamente no mercado clandestino, transportada e serrada à noite. Ou queimada em fornos de carvão, como uma forma de tentar apagar os vestígios do corte. As toras legalizadas, vindas de áreas de reflorestamento, são usadas principalmente na construção civil.
Prenúncio da extinçãoA araucária é uma árvore milenar e alguns especialistas acreditam que a redução drástica na quantidade de espécies já significa o prenúncio da extinção, tendo em vista a diminuição das probabilidades de combinação genética. Além disso, é a chamada floresta com araucária que está em risco. Nesse tipo de composição ambiental, o pinheiro é a árvore que mais se destaca, mas todas as demais espécies de animais e vegetais que dependem dessa formação estão ameaçadas.
“Cada espécie no ambiente tem uma função determinada, já que na natureza nada existe ao acaso. Muitas vezes desconhecemos essa função. E o desaparecimento de uma espécie causa um desequilíbrio na cadeia que envolve a alimentação de outros seres e a manutenção dos recursos naturais.”, explica Karina Luiza de Oliveira, bióloga da ONG Mater Natura. (KB)
Prefeito que foi autuado reclama de fiscalizaçãoMadeireiro já autuado pelo Ibama, o prefeito de General Carneiro, Ivanor Dacheri, alega que a cidade é dependente da exploração florestal e reconhece que atividades ilegais são mantidas no município como forma de garantir emprego e renda para a população. Ele tenta pressionar o Ibama para diminuir a fiscalização na cidade. Na semana passada, foi a Brasília reclamar com o presidente do órgão, Roberto Messias Franco, das “vistorias excessivas” na região. “Não entendemos por que a fiscalização do Ibama concentra há seis meses imenso esforço repressor exclusivamente neste município, de uma maneira turbulenta, em conjunto da Polícia Federal”, diz a carta, encaminhada ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
O prefeito voltou da capital federal com a resposta de que a denúncia de ações violentas seria averiguada. “Não entendo o motivo desses sobrevoos de helicóptero. Nossa cidade é pequena e as pessoas ficam assustadas com isso”, argumenta. A regional do Ibama e a PF negam que tenham agido com excesso ou com violência.
Dacheri afirma que não é contra a fiscalização, mas diz acreditar que essa medida deve ser precedida por um trabalho de orientação. Ele alega que 59% da população economicamente ativa do município depende, de alguma forma, do setor madeireiro e que as ações do Ibama ameaçam a sobrevivência financeira da cidade. “Está acontecendo uma represália. De certa forma, o município está engessado e não tem alternativas fora a madeira”, diz.
Questionado sobre a possibilidade de a floresta ser extinta em pouco tempo, no ritmo de exploração a que está exposta, o prefeito alega que os moradores da região vivem da madeira e sabem como manejar as matas de forma a garantir que o recurso natural esteja sempre disponível. Ele nega que o forte na cidade seja a exploração da madeira em grande escala comercial. “Quem está tendo problema são os pequenos, que cortam pra fazer uma lenhazinha ou um carvãozinho. Pessoas que dependem disso para a sobrevivência”, avalia. O prefeito afirma que as pessoas que preservaram a natureza até agora estão sendo tratadas como bandidas. Mas admite que há situações de desmate irregular na cidade. “Se eu disser que não tem corte ilegal, vou estar mentindo”, diz.
O prefeito reconhece que é madeireiro e que já foi autuado pelo Ibama. Ele alega que tinha a autorização do corte, mas que não houve entendimento quanto à quantidade de madeira. “Foi uma diferença na metragem e estou contestando”, afirma. No feriado do carnaval, uma fiscalização via helicóptero encontrou uma área de desmate e conseguiu local de pouso para averiguar o que estava acontecendo. Encontraram um caminhão, com o documento em nome do prefeito. Dacheri nega que estivesse cortando madeira nativa. Declara que apenas foi contratado pelo proprietário da área para serrar as toras que estavam sendo retiradas. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal. (KB)
(Por Katia Brembatti,
Gazeta do Povo, 16/03/2009)