O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, ajuizou no STF (Supremo Tribunal Federal) uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o decreto do governo federal que autoriza a destruição de cavernas no Brasil. O relator da ação no Supremo será o ministro Eros Grau. O decreto, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicado em novembro no "Diário Oficial da União", permite que milhares de grutas sofram "impactos negativos irreversíveis" no país.
O Brasil possui cerca de 7.300 cavidades identificadas. Antes, a lei conferia proteção a todas elas. Com as mudanças do decreto, cavernas naturais passarão a ser classificadas por quatro critérios de relevância -máximo, alto, médio e baixo. Só o maior dá proteção total. Segundo o procurador, os critérios de utilização de cavernas só podem ser fixados por lei, e não por um decreto.
"O patrimônio espeleológico foi, mediante singelo decreto, absolutamente suprimido, sem que assim se tenha observado o democrático e plural debate na arena legislativa, na qual teriam vez opções de ordem política, alheias à administração, por meio de leis-medidas, como a que se exigiria", afirma o procurador-geral, na ação.
Segundo ele, o decreto "toma para si o papel de traçar o regime de exploração desses espaços, adotando critérios não-determinados pela comunidade científica para, pretensamente, eleger os sítios que devam, ou não, ser preservados". Conforme o decreto, grutas com "alta relevância" poderão ser destruídas desde que o empreendedor se comprometa a preservar duas similares. As de "baixo grau de relevância", no entanto, poderão ser impactadas sem contrapartida.
Ambientalistas estimam que 70% das formações brasileiras possam ser destruídas sob o novo decreto e atribuem a mudança a uma pressão de empresas, principalmente mineradoras e hidrelétricas, que veem as grutas como um empecilho. "Para nós, a notícia [da contestação ao decreto] é excelente", diz Marcelo Rasteiro, secretário-executivo da SBE (Sociedade Brasileira de Espeleologia).
"Esse decreto foi feito de maneira truculenta, sem que o governo ouvisse ninguém. Assinamos um manifesto, com apoio de mais de 200 entidades, contra essa medida. A maioria dos países tem avançado na área de proteção ambiental, e o Brasil, com esse decreto, andou para trás", afirma Rasteiro.
Ele diz contestar a ideia de que essas cavidades seja empecilhos ao desenvolvimento. "Não há estudo que prove que as cavernas atrapalham. A produção mineral cresce exponencialmente no país. Agora caiu, e não foi por questões ambientais, mas econômicas", afirma.
Boicote
Rasteiro diz ainda que o governo tinha, após a assinatura do decreto, 60 dias para estabelecer os critérios de relevância, o que ainda não foi feito. "Não vamos participar da elaboração desses critérios para não legitimar a medida." Rômulo Mello, presidente do Instituto Chico Mendes, órgão que administra unidades de conservação federais, diz que os procuradores do governo estão analisando a ação e "tomando providências para subsidiar o Supremo". "Enquanto isso, vamos tocar o processo."
Ele diz que a definição sobre os critérios de relevância das cavernas deve ser finalizada até abril. "Estamos ouvindo um segmento amplo da sociedade. Só não terminamos esse processo [nos 60 dias previstos] em razão do período de férias." Mello reitera que houve "discussões suficientes" antes do decreto, que, segundo ele, é um avanço, pois define formas claras proteger as cavernas.
(Por Matheus Pichonelli e Thiago Reis, Agência Folha, Folha de S. Paulo, 14/03/2009)