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aquífero guarani gestão dos recursos hídricos águas subterrâneas
2009-03-16
Os treze países que formam a América do Sul estão cada vez mais preocupados com a gestão de seus recursos hídricos e com a necessidade de implementar ações integradas que protejam suas reservas naturais das exigências e regras dos mercados mundiais.

Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Perú, Suriname, Uruguai, Venezuela e Guiana Francesa detêm 28% dos recursos hídricos renováveis do mundo e isso é um atrativo aos grandes empreendimentos que, muitas vezes, não demonstram compromisso com o meio ambiente. Como exemplos verifica-se o intenso desmatamento das florestas naturais e a implantação de espécies exóticas, com o consequente efeito sobre o solo, sobre as águas e sobre a biodiversidade.

Um documento publicado nos primeiros dias de dezembro pelo comitê organizador do Fórum de Águas das Américas, realizado em Foz do Iguaçu (PR), traz uma descrição detalhada sobre os desafios e as perspectivas da América do Sul, que será apresentado este mês no 5° Fórum Mundial da Água, em Istambul, na Turquia.

Um dos principais desafios dos governos é atender à demanda crescente de urbanização, que exige um conjunto de investimentos em programas sociais como acesso à água potável e saneamento, ainda deficitários na maioria dos países sul-americanos. Por outro lado, aparecem fontes contaminantes como resultado da disposição dos resíduos sólidos e efluentes industriais sem nenhum tratamento. A demanda energética também está impactando fortemente a região com o desenvolvimento de projetos hidrelétricos sobre rios transfronteiriços.

Existe preocupação com a localização de alguns projetos mineiros que podem afetar algumas fontes de água, como as geleiras. A necessidade de água para a exploração e processamento dos minerais tem criado situações de competência com outros usos de água, em particular com irrigação de zonas agrícolas.

Há também uma profunda preocupação com as implicações dos acordos de livre comercio e a classificação deles sobre a água como uma mercadoria, aplicando diretamente as regras que devem reger qualquer mercadoria, sem considerar o valor social e ambiental da água.

A expansão da fronteira agropecuária em vários dos países sul-americanos – pelo aumento da demanda por alimentos e o incremento na produção de biocombustíveis – até às zonas com menores valores de precipitação tem sido necessário recorrer a irrigação complementar, aparecendo eventuais conflitos com outros usos da água e perigos de sobre-exploração de aquíferos, cuja capacidade de recarga é lenta.

A erosão, com a perda de solos de alto valor produtivo, as mudanças nos percursos, com a consequente transferência de sedimentos, a crescente utilização de fertilizantes e pesticidas, estão afetando a qualidade das águas superficiais e subterrâneas da região e criando problemas nos requerimentos de drenagem nas vias navegáveis.

Mudanças climáticas
Dada a extensão e as características fisiográficas da região e a influência que exerce sobre elas os oceanos Pacífico e Atlântico, o aumento da temperatura está produzindo situações diferentes nos países sul-americanos como a evaporação e suas mudanças com o aumento ou diminuição das precipitações e o impacto sobre os fluxos.

Preocupa a diminuição de água nos reservatórios com a consequente diminuição da geração hidrelétrica e da disponibilidade de água para irrigação e outros usos e os fenômenos extremos de inundações e secas, tanto no que se refere a sua magnitude, como a sua frequência e duração e a seus impactos, como o aumento da desertificação.

Se antes os governos sul-americanos não demonstravam a mínima preocupação com as questões ambientais, as administrações recentes têm alguns avanços a apresentar, especialmente na gestão das águas. Exemplo é o fortalecimento institucional de alguns países: a atualização do Plano Nacional Federal de Recursos Hídricos e o fortalecimento do Conselho Hídrico Federal da Argentina; a conformação do Ministério da Água na Bolívia; a constituição de comitês de bacias e cobrança pelo uso da água no Brasil; a modificação no Código de Águas no Chile; a fixação de taxa redistributiva por contaminação dos corpos de água na Colômbia; a criação da Secretaria Nacional de Água no Equador; a aprovação do Plano para corporação da Água da Guiana; a sanção da Lei dos Recursos Hídricos e da autoridade Nacional da Água do Perú; o programa de atualização do Plano Diretor da Zona Costeira no Suriname; e as reformas constitucionais que declaram a água como direito humano no Uruguai e na Venezuela.

Quanto à participação da sociedade civil destaca-se a criação do Conselho Técnico Social na Bolívia, de onde se articula o Executivo com representantes da sociedade, e a criação de um novo organismo regulador do uso da água, com participação majoritária das organizações de irrigação.

No Uruguai, a Comissão Assessora de Águas e Saneamento reúne usuários e sociedade civil na gestão dos recursos hídricos. O Brasil, a adoção de um Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos (Singreh), composto por conselho nacional, conselhos provinciais, comitês locais de bacias e por suas respectivas agências de bacias.

Para se prevenir dos impactos das mudanças climáticas, o Peru está testando um projeto piloto de reúso da água em pequenas comunidades. A região Andina está compartilhando informações e experiências sobre geleiras e projetos pilotos de vulnerabilidade e impacto. O Uruguai, por sua vez, realiza estudo de impacto das mudanças climáticas na agricultura e medidas de adaptação.

Pesquisas serão referenciais
Grande parte das pesquisas para o Projeto ocorreram nos quatro projetos pilotos, cujas cidades foram escolhidas baseadas nas características hidrogeológicas e nos principais usos de água. O secretário-geral do estudo, Luiz Amore, explica que os estudos nas áreas pilotos servirão como referência de boas práticas em outras áreas com características semelhantes. "Os pilotos foram feitos justamente em áreas problemáticas. Fizemos isso no âmbito local porque é no local que acontece o problema de poluição e o uso do solo inadequado, por exemplo. Mas as ações também são de responsabilidade estadual e nacional".

Na cidade de Ribeirão Preto, nordeste paulista, pólo agropecuário, cuja população é de 513.260 habitantes, o Aquífero Guarani é usado para abastecimento público, na agricultura e na indústria – é o maior produtor mundial de açúcar e de álcool.

Dos 137 km² de afloramentos do aqüífero, cerca de 40% é urbanizado. Há muitos poços em exploração e estudos em 160 deles constataram que o uso indiscriminado do aqüífero provocou importantes rebaixamentos no nível da água. Por isso, foi aprovado pelo Conselho de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo a elaboração de um zoneamento do uso das águas subterrâneas que restringe a perfuração de poços na área central da cidade, impõe condicionantes para construção de novos poços nas áreas externas e orienta sobre as áreas em que deve mantidas as condições de infiltração e recarga do aquífero.

No Departamento de Itapúa, no Paraguai, predomina o uso da água para atividade agrícola. Esta área piloto de grande exploração agropecuária, cobriu cerca de 800 km², sendo 50% de afloramento de arenito e 50% de derrame de basalto. Há mostras de poços indicando uma incipiente contaminação originada por nitratos. Aqui foram desenvolvidas estratégias para o uso sustentável do solo visando reduzir a presença de agroquímicos e pesticidas em áreas de recarga do SAG

Na zona transfronteiriça Concórdia, na Argentina, e Salto, Uruguai, às margens do rio Uruguai, as águas termais do aquífero são os mais importantes atrativos turísticos das cidades. O estudo abrangeu cerca de 500 km². Do ponto de vista do ambiente, o Sistema Aqüífero Guarani nesta região encontra-se bastante protegido da poluição antrópica por causa da espessa cobertura de basaltos, atingindo os 1000 metros. Porém, a região conta com outros problemas como a interferência entre poços próximos e o esfriamento da água, gerando problemas entre perfurações vizinhas a nível nacional e transfronteiriço.

Na também zona transfronteiriça Rivera, Uruguai, e Santana do Livramento, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, foram definidas ações para assegurar a qualidade da água muito utilizada para o consumo humano. Essa fronteira seca é representativa de zonas expostas à contaminação por águas residuais e resíduos sólidos dentro das zonas potenciais de recarga e descarga do Guarani.

Unidas pela água na Fronteira da Amizade
A fronteira é seca e boa parte do subsolo tem a mesma formação geológica. Ainda pairam dúvidas se o aquífero é transfronteiriço, mas os moradores de ambas cidades não estão muito preocupados com isso, porque sabem que a água que bebem é muito boa e o que importa mesmo é conservá-la assim.

Quase toda a população de Santana do Livramento e mais da metade da de Rivera consomem água do Guarani e não precisa cavar muito para encontrá-la.

Por estar exposto em zonas de afloramentos e apresentar níveis de água muito superficiais, em alguns casos surgentes, a vulnerabilidade do aqüífero à contaminação devido à falta de saneamento e a importância da água subterrânea para o abastecimento de uma população próxima aos 180 mil habitantes, são peculiaridades que explicam porque a região foi escolhida como um dos projetos pilotos.

Mas também existem dezenas de empresas se utilizando do manancial, como os postos de combustíveis para lavagem de carros e as atividades econômicas baseadas na produção primária, como a criação de gado ovino e bovino, a lã, o couro, o cultivo da uva, milho, soja, arroz e as plantações de espécies exóticas, praticadas principalmente do lado uruguaio.

Para assessorar o trabalho dos pesquisadores foi organizada uma Comissão Local Transfronteiriça (Cotragua), composta por secretarias municipais -Departamento de Água e Esgoto (DAE) e OSE (Obras Sanitárias del Estado)-, universidades e ONG`s da região. A sede foi instalada num antigo cassino de Rivera, na rua central que divide os países.

Também foi escolhido um coordenador do projeto piloto, chamado de facilitador por gerenciar as diversas pesquisas realizadas numa área aproximada de 750 Km². Foram levantadas amostragens nos municípios de Rosário do Sul, São Pedro do Sul, São Vicente, Uruguaiana, São Luiz Gonzaga, Alegrete, Frederico Westphalen, Candelária, Itaqui, Dois Irmãos, Santa Maria, Três Coroas, Igrejinha, Montenegro, Ivorá, Encantado, Feliz e São Francisco de Assis.

O facilitador Achylles Bassedas Costa explica que em Rivera o governo teve que fechar poços por apresentarem altos índices de nitratos. Há grande número de poços rasos, que podem tornar-se fontes pontuais de contaminação, já que há apenas 30% de atendimento de rede de esgoto. Já em Livramento, apesar da cobertura de saneamento ser similar - possui 43% de atendimento com coleta de esgoto -, não se registrou tal tipo de contaminação.

Em Livramento foi iniciado um cadastramento de poços na área urbana, pela Prefeitura, relacionando 38 poços para abastecimento público e cerca de 70 poços particulares. Na zona rural, entretanto, não há qualquer controle.

"Uma preocupação é a construção de poços muito perto um do outro. Por isso, às vezes um baixa seu volume porque outro foi construído muito próximo. Mas, de qualquer forma, o volume é extraordinário. São 40 poços puxando quase que diariamente, no inverno não, mas no verão é praticamente 24 horas puxando água para abastecer a cidade. E em Rivera são mais 40 poços puxando água", ressalta Costa.

Segundo o facilitador, além de auxiliar os pesquisadores, a equipe do projeeto piloto também realizou um trabalho permanente de conscientização juntos aos estudantes sobre a importância da preservação do Guarani. "Como nós temos poços surgentes, que afloram espontaneamente, sem precisar bombear, tem que haver um cuidado muito grande em não deixar poluir as sangas, os arroios, os córregos. Por isso fizemos um trabalho de conscientização junto aos jovens, para que sintam a necessidade de preservar o próprio futuro."

Exóticas podem afetar o Aquífero
Sobre as indústrias de celulose no Uruguai, Costa não quis comentar por não estar na área do projeto piloto. Já o engenheiro Flávio Fernandes, que auxiliou o facilitador em Livramento, diz que há uma grande preocupação com a quantidade de recarga do Aquífero, água que vem das chuvas, que tende a ser menor nas áreas de plantações das espécies exóticas, porque há uma absorção muito grande de água nessas áreas.

"Aqui ao lado, no Uruguai, existem muitas áreas de florestamento, de pinus e eucalipto para celulose. E isso já está um cenário crítico, porque a capacidade de recarga do Aquífero é inferior ao que se está usando", afirma.

Fernandes destaca que o trabalho de conscientização envolveu também os proprietários das terras onde ocorrem os afloramentos. "Ao longo do Guarani, determinados lugares tem-se que cavar 50, 100 metros para encontrar água, já aqui, existem locais que se encontra água em 10, 15 metros, e tu tens água limpa. Só que por estar muito próximo ao subsolo, qualquer coisa pode contaminar", adverte. "Em Rivera foi encontrada alta concentração de nitrato no arenito, oriundo das plantações de arroz ".

O engenheiro ressalta que tendo em mãos informações detalhadas sobre as regiões onde se encontra o SAG, através de um grande banco de dados, os gestores públicos poderão verificar, por exemplo, que em tal local o aquífero desceu tanto em tantos anos por causa de tais atividades, e então não se poderá permitir mais tais práticas naquele local, por algum tempo ou para sempre.

"Agora, Livramento e Rivera poderão trabalhar mais integrados, independentemente se existe ou não comunicação entre os poços das duas cidades. Já se sabe que ao longo da linha divisória existem zonas de recarga do aquífero para ambos os lados, então nenhum dos dois fica sem o reabastecimento do Guarani. As cidades estão mais unidas do que parece, unidas pela água", completa Fernandes.

(Por Cleber Dioni Tentardini, Jornal Extra Classe,13/03/2009)

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