Policiais militares e civis do município de Vitória do Jari estão sendo acusados por agricultores da comunidade de São Tomé, Reserva Extrativista do Rio Cajari (Resex-CA), localizada entre Laranjal e Vitória do Jari, de constrangimento ilegal, tortura física e psicológica, prisão ilegal, invasão de domicílio sem mandado judicial, ameaça de morte e extorsão.
As vítimas estiveram presentes na sessão especial da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Amapá, presidida pelo deputado Camilo Capiberibe (PSB), e realizada na tarde de terça-feira, 10. Na ocasião, relataram essas e outras barbaridades cometidas, segundo afirmaram, a mando do fazendeiro Feliciano Gomes da Rocha, o “Fi-lico Rocha”.
As prisões e torturas dos trabalhadores aconteceram por volta das 22 horas do último 12 de janeiro, com homens e mulheres algemadas e amarradas com cordas nas pernas, braços e pescoço, colocadas em paus-de-araras e transportados de barco por mais de 15 horas até a delegacia de Vitória de Jari, onde foram submetidos a torturas físicas por várias horas.
O caso mais grave foi do agricultor Salomão da Silva, 25 anos, filho do casal de agricultores José Cardoso, o "Zelão", e Maria Diolena da Silva, também vítima das arbitrariedades. Salomão relata que após ser preso foi agredido na cabeça com o cano de uma espingarda empunhada por um policial mi-litar. Mesmo sangrando muito, foi amarrado e conduzido a socos e pontapés para um pequeno barco atracado nas proximidades da casa de "Zelão".
Salomão, que há sete meses foi empregado de "Filico", também denunciou a prática de trabalho escravo e tratamento desumano por parte do fazendeiro. De acordo com o agricultor, "Filico" contrata trabalhadores nas outras áreas da reserva, oferecendo bons salários, alimentação e alojamento. Após convencê-los e levá-los para suas terras, passa a torturá-los psicologicamente, não cumpre os acordos firmados e impede, sob ameaça, que retornem para seus locais de origem.
Acusações e ameaças – A contenda na Reserva do Rio Cajari ganhou contornos de tragédia em dezembro passado, após "Filico Rocha" acusar "Zelão" do furto de gado. Conhecido pelo temperamento explosivo, Feliciano invadiu a propriedade de "Zelão" armado de espingarda calibre 12, revólver e terçado, e abordou a mulher dele, Maria Diolena, acusando-a de cumplicidade no hipotético "crime". Mesmo sob ameaça, a agricultora reagiu contra a violência do vizinho.
A segunda refrega protagonizada por "Fi-lico" foi mais implacável, conforme relatos do casal de agricultores. Por volta de 22 horas do último 12 de janeiro, policiais militares armados com revólveres e pistolas, e usando coletes à prova de bala, invadiram a residência de José Cardoso e Maria Diolena, vascu-lharam os cômodos do imóvel, reviram móveis e eletrodomésticos, em seguida, sempre sob ameaças, tentaram "arrancar" informações de "Zelão" e da mulher dele sobre os fictícios furtos de gado.A ação atabalhoada e truculenta dos policiais, coordenada por "Fi-lico Rocha", revoltou os demais moradores da reserva. Reunidos, decidiram interceder em favor da família Silva, enquanto acusavam o fazendeiro de usar a PM e a Polícia Civil para intimidar os agricultores. No entanto, a reação coletiva não impediu "Filico" de agir novamente, segundo depoimentos recolhidos pelos integrantes da Comissão de Direitos Humanos. Dessa vez, com mais violência.
Prisões e torturas
Sem nenhum mandado, os policiais prenderam Salomão, filho de "Zelão", e um amigo dele, identificado por Reginaldo. Os dois rapazes foram algemados e conduzidos sob espancamento para uma embarcação, ancorada às proximidades da casa da família Silva.
Maria Diolena tentou ajudar o filho mas, sob a mira de revólveres e pistolas, foi ameaçada pelos policiais e advertida para desobstruir o caminho "(...) se não quisesse ter o mesmo fim". Temendo ser presa ou até mesmo baleada, a agricultora recuou para o lado, deixando que o grupo, liderado por "Filico", seguisse em direção ao barco.
"Zelão" garante que as acusações de furto de gado são infundadas. No entender dele, o verdadeiro objetivo do desafeto é intimidar e amedrontar os agricultores da Reserva Extrativista do Cajari para obrigá-los a vender as terras as quais ocupam há mais de 30 anos "por um valor irrisório".
Testemunhas ouvidas durante sessão especial da CDH no plenário da Assembléia Legislativa, contaram que o clima na reserva extrativista é tenso por causa das atitudes belicosas de "Filico Rocha" e podem ficar ainda piores se as autoridades se mantiverem omissas.
(Diário do Amapá,
Amazonia.org, 11/03/2009)