O ano de 2008 foi repleto de fatos bem peculiares. Foi iniciado com um caráter expansionista jamais visto. O etanol voltava a ser a grande estrela do mercado automobilístico e de nações preocupadas com suas dependências energéticas. Frequentemente, o etanol brasileiro foi pauta de discussões internacionais e, em alguns casos, até citado como o caminho para a diversificação da matriz energética mundial. O governo Lula, de forma bem aberta, hasteou a bandeira pró-etanol.
Neste cenário de crescimento, muitos dos insumos estavam com relação desbalanceada de oferta e demanda, ocasionando assim impactos sensíveis nos preços dos principais fatores de produção, como fertilizantes, máquinas agrícolas e diesel. O volume de vendas de autoveículos mudava completamente de patamar. Na década de 80, quando houve um expressivo aumento da frota a álcool, culminando com a crise de abastecimento de 1989, as vendas mensais não ultrapassavam 60 mil veículos. Em 2002, a venda média mensal foi de 117 mil veículos. Em abril de 2008, observávamos um patamar quatro vezes daquele registrado na década de 80.
Nesta mesma época o preço do petróleo estava bem acima do que estamos observando atualmente, com projeções ainda maiores. Grande parte dos analistas econômico-financeiros estimava que este preço pudesse atingir entre US$ 150 e US$ 200 por barril, no final de 2008.
Mesmo com aquele cenário expansionista, grande parte dos produtores brasileiros operava abaixo do custo de produção. Para uma taxa de câmbio de 2,10 R$/USD, o custo de se produzir álcool anidro no Brasil, em centavos de dólar por libra peso (cts/lb), era de 11,81. O interessante é que estávamos observando tamanho crescimento em um mercado temporariamente sem acúmulo de renda.
Certamente os produtores estavam motivados pelo aumento significativo da demanda interna de álcool e pelos potenciais ganhos futuros deste mercado. O reflexo desta expectativa aumentava o anseio do produtor de se alavancar financeiramente. Em cenários de expansão econômica, este posicionamento estratégico não é tão arriscado. O Brasil tinha atingido grau de investimento e os países emergentes estavam em alta, fortificando ainda mais esta atitude arrojada de expansão.
Atualmente o cenário é bem diferente. A crise de liquidez mundial chegou e está afetando fortemente o maior fornecedor de açúcar e álcool do mundo. A dependência de capital de curto prazo faz com que grande parte dos produtores tenham que se posicionar em piores situações e, em alguns casos, até colocar em risco a remuneração da safra seguinte.
No setor sucroalcooleiro, a necessidade de capital de giro no início da safra faz com que os produtores busquem no sistema bancário o fôlego necessário para que as operações comecem em tempo e situação saudável. Em momentos como este, é necessária uma política de crédito bem estruturada por parte das instituições financeiras públicas e privadas. O apoio que está sendo demandado atualmente certamente será recompensado em futuro próximo. Os fundamentos dos mercados de açúcar e álcool no Brasil e no mundo estão consolidados e não foram afetados por este momento conturbado.
A demanda interna por álcool combustível, apesar de menos aquecida, é crescente. A frota flex representa 87% dos novos licenciamentos e um consumo médio mensal de 1,7 bilhão de litros etanol por mês, com expectativa de crescer 2,1 bilhões de litros na safra 2009/10. No mercado de açúcar, o ciclo de excesso de oferta terminou. Entramos num período de dois anos de déficit, com um ex-exportador, a Índia, ditando novamente as tendências deste mercado. A expectativa da Datagro para o mercado mundial de açúcar para as safras 08/09 e 09/10 são déficits de 3,8 e 5,0 milhões de toneladas, respectivamente.
Em contrapartida, os números publicados no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) de 2008-2017 estão mais para pró pré-sal. Dos R$ 767 bilhões a serem investidos até 2017, apenas 6,5% estão destinados para a produção e infraestrutura de biocombustíveis. Já para petróleo e seus derivados, estes investimentos somam 69,9% do total.
Necessitamos de políticas e ações de desenvolvimento de mercado internacional. Não adianta nada ser o melhor produtor de alguma coisa que não é comercializada. O Brasil precisa ensinar países em desenvolvimento a produzir etanol barato e competitivo. Parar de criticar o etanol de outras fontes, como o milho nos Estados Unidos, é fundamental para a consolidação do mercado global de etanol.
Os investimentos no pré-sal são necessários para que o Brasil continue extraindo petróleo, e seja autossuficiente. Sem investimento, a extração cai 10% a cada ano. É exatamente aí que reside a grande vantagem do etanol, que exige investimento uma só vez, e reproduz a produção a cada ano com custos de manutenção já embutidos no custo de produção.
A trégua que o preço do petróleo nos dá hoje não deve arrefecer o empenho e o reconhecimento que existe sobre as vantagens de se produzir etanol de biomassa de forma competitiva, em larga escala, e com diversificação de origens. Embora os investimentos estejam bem mais para o pró pré-sal, a estratégia de longo prazo deve continuar sendo a de privilegiar o pró-etanol.
(Por Guilherme Nastari,
Valor Econômico, 12/03/2009)
* Guilherme Nastari é economista da Datagro