A degradação ambiental da Amazônia não pode ser enfrentada apenas com o Ibama e a Polícia Federal. Sem o ordenamento fundiário e o planejamento territorial, sem o incremento da pesquisa e das tecnologias florestal e regional, a falta de alternativas sustentáveis e a impunidade ameaçarão sempre o ecossistema e provocarão sucessivos aumentos de emissão de CO2.
O ZEE (Zoneamento Ecológico-Econômico) é vital para o combate ao desmatamento, à violência, à exclusão e para melhorarmos a qualidade de vida de 24 milhões de habitantes da Amazônia, preservando o bioma. O MMA (Ministério do Meio Ambiente) organizou com o IBGE, a Embrapa e a CPRM (recursos minerais) o consórcio ZEE Brasil para apoiar os Estados na elaboração dos seus zoneamentos.
Dois Estados já os tinham concluído -Acre e Rondônia. Outros três os enviaram às Assembleias Legislativas. Em fevereiro, o Estado do Amazonas concluiu o ZEE e o enviou ao Parlamento. O Pará apresentou a lei estadual que aprovou o ZEE para a área de influência da BR-163 (Cuiabá-Santarém). Essa lei não admite nenhum aumento de desmatamento ou expansão de agropecuária em áreas preservadas.
Em duas das áreas demarcadas ao longo da BR-163, com mais de 80% de desmatamento e atividades econômicas consolidadas, o ZEE possibilita a intensificação e a legalização das atividades, mediante a recomposição da reserva legal de no mínimo 50% da área, mais as APPs (áreas de preservação permanente).
Isso implicará o reflorestamento de 1,5 milhão de hectares de matas nativas. A base para defender a Amazônia, colocar as atividades na legalidade e intensificar as operações de combate ao crime ambiental passa por estabelecer uma regra clara, o que pode ser feito, como e onde. Nos últimos nove meses até janeiro de 2009, houve uma redução de 50% da área desmatada, em comparação com os mesmos meses do período anterior.
Isso devido à intensificação das operações, à entrada em vigor da resolução do Banco Central que veda o crédito para quem está na ilegalidade fundiária ou ambiental, aos leilões do boi pirata e da madeira pirata e ao controle de alguns entroncamentos rodoviários. A essa lista devem ser acrescentados os pactos públicos com setores produtivos, como foram a Moratória da Soja, o Pacto da Madeira Legal e Sustentável e o Pacto da Carne Legal -a ser assinado em março com os exportadores.
Mas esse resultado ainda é precário e insuficiente. A destruição da floresta continuará se não houver a regularização fundiária, o ordenamento territorial por meio do ZEE, o Fundo Amazônia, o financiamento de um modelo de desenvolvimento inclusivo e não predatório, a transformação e a valorização da cadeia de produtos do extrativismo, o manejo florestal e a implementação do PAS (Plano Amazônia Sustentável).
Isso representaria um atentado à biodiversidade, às populações tradicionais e às comunidades indígenas. Representaria também o não-cumprimento do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, festejado em dezembro passado na Conferência do Clima na Polônia pelo secretário-geral da ONU e por Al Gore como um significativo avanço da posição do Brasil.
Estamos monitorando outros biomas -como a caatinga, o cerrado e a mata atlântica. Na atualização do Plano Clima, em março de 2010, avançaremos com metas de redução do desmatamento nesses biomas. Hoje é mais fácil e barato um agente desmatar a floresta nativa do que recuperar e intensificar a produção em uma área degradada. Ele não paga a terra, não assina a carteira, não paga multas e tem sempre um político para protegê-lo.
Temos de inverter esse quadro, ao combater a impunidade, impedindo que criminosos ambientais enriqueçam com o produto de atos ilícitos (com leilões de boi e madeira pirata). Devemos criar apoios técnicos e econômicos e um marco legal que incentivem a recuperação de áreas degradadas, base para o desmatamento zero.
Isso fará avançar a regularização fundiária das terras da Amazônia, a qual o governo pretende concluir em três anos, até mesmo cassando o título de quem desmatar áreas protegidas, com a finalização do ZEE e a implementação do PAS. Outra linha relevante de inclusão da população no combate à degradação é o pagamento por serviços ambientais. Já fazemos isso com 200 agricultores das margens do rio Guandu, principal manancial de água do Rio de Janeiro.
Essa é uma das modalidades previstas de uso do Fundo Amazônia e também será usada para adaptação, sobretudo no Nordeste, com a recuperação de solos erodidos e de mananciais. Em defesa da Amazônia, de sua população e do clima do planeta.
(Por Carlos Minc,
Folha de S. Paulo, 10/03/2009)
* Carlos Minc é ministro do Meio Ambiente