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babaçu quebradeiras
2009-03-10

No Estado do Maranhão quase 90% das mulheres trabalham como quebradeira de coco do babaçu.  A presença delas é tão natural que era comum ver nos quadros, que retratavam as paisagens, uma mulher em baixo de uma palmeira retirando a semente do babaçu para seu sustento.  Com a expansão da pecuária e outros interesses conflituosos pela terra na região, essas mulheres saíram dos quadros e passaram a ter uma postura ativa diante da sociedade.

Organizadas em um movimento social, essa mulheres passaram a ter como bandeira o "Babaçu Livre", que consiste em garantir por lei o livre acesso aos babaçuais e o uso comunitário, mesmo que dentro de propriedades privadas.  O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) agrupa quatro Estados onde há ocorrência de palmeiras de babaçu: Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí e hoje luta para evitar a derrubada da palmeira.

Em 2008, a Lei estadual foi aprovada e hoje é implementada em oito municípios do Maranhão.  Zulmira de Jesus, coordenadora da Regional da Baixada do MIQCB, afirma que a luta do movimento é ampliar esse debate para que mais municípios sejam contemplados com a Lei do Babaçu Livre e que a Lei federal que está tramitando no Congresso desde 1995 seja aprovada.

Segundo ela, a luta é contra interesses de fazendeiros, pecuaristas e muitas vezes contra o próprio governo que entende como desenvolvimento o ato de colocar e apoiar grandes empresas na região sem avaliar os impactos sociais, econômicos ou ambientais.


Amazonia.org.br - Por que só as mulheres podem participar do MIQCB?
Zulmira de Jesus - É uma questão de identidade, é o nosso eixo central.  Quem mais se identifica com o babaçu são as mulheres.  Então, por essa razão, a gente trabalha com elas.  São as mulheres quebram coco e são as mulheres que estão organizadas dentro desse campo.

E existem homens que trabalham quebrando coco?
De Jesus - Tem alguns que trabalham sim, inclusive os maridos das quebradeiras contribuem.  Eles buscam o coco e as mulheres os quebram.  Mas, para quebrar mesmo são poucos.

 Atualmente qual o principal desafio de vocês?
De Jesus - O maior desafio que nós temos é a questão da implantação da Lei dos Babaçus Livres para a conservação das palmeiras em pé.

Há também outro problema: a concentração de terras é muito grande e os fazendeiros tiram o babaçu para plantar o capim.  A gente tem esse outro desafio que é a derrubada dessas árvores, que não só os fazendeiros (que são os responsáveis), hoje, mas alguns projetos de governo, algumas indústrias e pessoas de outros países.  Tínhamos a soja, tínhamos eucaliptos, hoje nós temos o "biodiesel da vida", que acaba ameaçando a floresta, como a mamona e a cana.

Sabemos que o pessoal da Alemanha está vindo para cá plantar no Maranhão 500 hectares de óleo de dendê, que é um dos principais concorrentes do babaçu.  É um dos desafios.  O governo já fez reunião com eles e está muito 'simpático' com a questão do desenvolvimento e, para nós, 500 mil hectares de dendê plantado no Maranhão, são 500 mil hectares de babaçu que serão devastados.

Estamos tentando uma audiência com o governo.  Ela estava prevista para ser na quinta-feira (5), mas não foi possível.  A gente fica em um impasse sem saber a quem se direcionar.

A gente está buscando aliados, não é só 500 mil hectares de babaçu derrubados, mas são milhares de famílias que vão ficar sem ter da onde tirar seu alimento.

A história do movimento é marcada pela luta fundiária e reconhecimento do trabalho de vocês dentro dos babaçuais.  Sabendo que esse reconhecimento gera sempre conflitos de interesse e muitas vezes violência, como é a "luta" das quebradeiras de babaçu?
De Jesus -  Essa questão é muito complicada, porque tem violência de tudo quanto é forma.  Tem aquelas que você pode recorrer e têm aquelas violências que são mais tímidas.  Tem as que são feitas com um revolver, com cerca elétrica, com várias posições e tem aquela que a pessoa acaba perdendo vida.  Porque a gente já perdeu vida de companheiras nessa situação.

Por causa dos conflitos com os proprietários?
De Jesus - Sim, por conta dessas confusões de terras.  Não são só as mulheres, mas os homens que são os maridos dessas mulheres também.

E as mulheres sofrem muito preconceito?
De Jesus -  Enquanto quebradeira e enquanto uma das pessoas que preserva o babaçu a gente é vista como as mulheres que atrapalham o desenvolvimento do município, do Estado e do País.  Então somos tachadas preconceituosamente, mas eles também não entendem que nós somos mães e somos centenas e milhares de mulheres que não têm emprego.  A única coisa que nos sustenta e que dá para gente criar nossos filhos, para contribuir com a nossa renda é o babaçu.  Eles não compreendem isso.

A gente não é vista como as que buscam ser livres pela natureza e pela preservação.  Somos tachadas dessa forma preconceituosa de que nós atrapalhamos.  Até mesmo nos projetos de grande porte, na hora em que a gente vai ter um diálogo com alguns setores de governo, eles já ficam dizendo que estamos atrapalhando, que não temos olhar para o desenvolvimento.

E a gente abre pergunta: "Desenvolvimento para quem se parte da população está ficando sem terra, está ficando sem os seus babaçus?".  Para quem esse desenvolvimento na verdade?

O babaçu é o produto que garante o sustento das famílias?
De Jesus - Não é a principal, porque todas que são quebradeiras também são agricultoras familiares.  Mas, a maior parte do sustento vem do babaçu, porque ele garante mais, a gente tem o arroz, tem o milho, tem a mandioca, mas quem segura na verdade é o babaçu.

E como vocês estão organizando o trabalho de produção?
De Jesus -  Temos uns grupos organizados e há cooperativas.  Estamos discutindo a cooperativa interestadual para debater a questão do produto e isso entra no conceito de abrir mercado para os produtos beneficiários das quebradeiras, mostrando para o próprio poder público que é viável, só precisa ser fortalecido.

 Atualmente conseguem competir com o mercado formal?
De Jesus - Na verdade nós estamos competindo.  Estamos nos inserindo e já estamos nas feiras livres, estamos abrindo o leque.  Estamos indo para o (mercado) nacional e internacional.  E para fortalecer, com qualidade e com tudo, estamos criando a cooperativa interestadual que vai tratar de todo comércio, que vai tratar dos padrões, da inspeção com qualidade, com rótulos mostrando realmente a nossa cara e quem produz.

Porque antes a gente contribuía com o nosso país, mas estávamos escondidas.  Mas hoje temos a nossa cara, são as quebradeiras que estão fazendo, vem lá da comunidade X e da comunidade Y. Isso é para nós estarmos competindo no mercado e para o próprio crescimento da questão de gênero e da integração de renda vindo da mulher.

Como vocês trabalham a questão de gênero dentro dos babaçuais?
De Jesus -  A questão de gênero é um dos eixos principais: ser mulher e ser quebradeira, uma coisa não consegue se desmembrar da outra.  A questão de gênero é um dos papos que a gente mais discute.  Procuramos fazer capacitações e até apresentar para as próprias mulheres a fim de que, de alguma forma, quando uma ou de outra chegue no poder não se transforme.  Porque geralmente as mulheres começam a agir como se fossem homem e às vezes são mais machistas do que o próprio homem.

 O que prepararam para o dia 8?
De Jesus - Em Viana, um município do qual eu faço parte, nós estamos fazendo um oito de março, chamamos outros movimentos, que esse momento é um momento de reflexão.

Nós temos dois eixos: um é de continuar com as políticas que vão ser voltadas à nossa luta e também comemorar as vitórias diante de alguns sacrifícios, diante da perda de algumas companheiras.

A gente tem muito, não só o que comemorar, mas também que refletir e tirar e colocar em pauta, continuando com a nossa luta, a nossa resistência enquanto mulher e transformar todos essas situações que não são fáceis.

 Que tipo de violências já aconteceram?
De Jesus -  Algumas companheiras já perderam suas vidas, por exemplo, a própria irmã Dorothy, no Pará.  Ela foi assassinada porque era uma religiosa, que via o setor social, que via as questões das mulheres, lutava pelas aquelas famílias que estavam lá.

A própria Margarida Alves que há anos era do movimento sindical e acabou perdendo sua vida por culpa de fazendeiro.  A maioria da morte de nossas companheiras foram causadas por acidentes de trabalho, na luta pela sobrevivência.  E é quase como começou o próprio dia oito de março com as companheiras da fábrica.

 É correto dizer que 90% da população feminina do Maranhão trabalha com o babaçu?
De Jesus -  É verdade.  Porque o Maranhão, apesar dos avanços, é um dos Estados campeões em miséria no País, mesmo porque a maioria dos municípios são extremamente rurais.  E como não tem emprego, como não tem perspectiva de emprego para nenhuma das pessoas, acabamos tendo que viver mais do babaçu.

Em 2005 vocês chegaram a lançar um documento sobre as ameaças de morte que as mulheres sofreram.  Como está a situação agora em 2009?
De Jesus -  As ameaças continuam acontecendo.  Mas agora, os meios são mais modernos.  Antes, as mulheres eram ameaçadas pelos capatazes, que estavam tomando conta da fazenda e acabavam amedrontando, botando revolver, botando espingarda, tentando estuprar.  Hoje eles fazem de uma forma mais moderna.

 E o que seria uma forma de ameaça mais moderna?
De Jesus -  Por exemplo, eles botam o búfalo lá no mato.  O búfalo a gente sabe que é um animal selvagem, então a gente já fica intimidado de entrar.  Eles botam arame, botam energia (cercas elétricas), então é óbvio que a gente não vai arriscar entrar para apanhar o babaçu porque acaba morrendo.  Porque lá vai ter energia e, pelo choque, acaba morrendo.  A gente já perdeu companheiras assim, nessas questões, no município que se chama Martinha.  A companheira foi tirar seu alimento e a cerca era elétrica, orem não havia nenhum sinal avisando que tinha energia.  A companheira encostou-se ao fio e, como tinha água por perto, ela acabou morrendo.

Então são esses tipos de ameaças que acabam sendo mais modernas.  Eu mesma fui vítima de ameaças.  Como a devastação estava enorme, a gente fez um documentário e uma denúncia.

Por conta disso, acabamos perdendo um companheiro, um pai de família que foi morto no dia 19 de setembro do ano passado.  Mesmo assim continuamos a luta e houve uma lista de pessoas ameaçadas.  Quando vi, meu nome estava lá citado.

Há mais alguma questão que você gostaria de acrescentar?
De Jesus - Eu pedir para que os governos tenham um olhar mais especial para as quebradeiras.  A gente sabe que os projetos do governo prezam bastante o "desenvolvimento" para cada Estado, mas as famílias que estão lá dentro, de certa forma, fazem o seu desenvolvimento.

Então, gostaria que eles conseguissem observar, antes de implantar qualquer projeto, as pessoas que estão na região para que a decisão não seja a pior.

(Por Aldrey Riechel, Amazonia.org.br, 09/03/2009)


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