A dramática falta d'água no ambiente amazônico em 2005 não afetou apenas a vida dos moradores da região. Com a seca, a floresta, que normalmente absorve carbono, passou a emiti-lo no ambiente. As sequelas deixadas pelo grande estiagem, segundo medições inéditas divulgadas hoje, vão durar por décadas. Com menos água, as árvores morreram mais. Cresceram menos. E a floresta passou a colaborar para a piora do aquecimento global.
"A Amazônia, antes de 2005, absorvia 400 milhões de toneladas de carbono por ano. Durante o fenômeno [seca], não absorveu nada e passou a emitir 900 milhões de toneladas de carbono", diz Luiz Aragão, brasileiro pesquisador da Universidade de Oxford (Inglaterra).
Os 400 milhões de toneladas de carbono que a floresta costuma sequestrar por ano, segundo Aragão, servem para empatar com todo o carbono que é lançado no ar por causa do desmatamento e das queimadas. O número apresentado pelo pesquisador, um dos 66 dos autores de artigo científico publicado hoje na revista científica "Science", foi o primeiro extraído de dados concretos com medidas sistemáticas em toda a Amazônia. Estudos anteriores sobre a seca eram estimativas com imagens de satélite.
O grupo de Aragão monitorou árvores em 136 parcelas -áreas de floresta- de 100 m por 100 m, em várias regiões da Amazônia. "Temos estudos, por exemplo, na Bolívia, no Peru, na Guiana e na Colômbia", disse o pesquisador, que trabalha na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará, onde o Museu Goeldi, de Belém, mantém uma estação de pesquisa.
A contribuição da seca de 2005 na Amazônia para o agravamento do aquecimento global não será imediato, afirma Aragão. O carbono que passou a ser emitido pelo sistema não está ainda todo liberado na atmosfera, explica. Ele continua preso, por exemplo, em folhas ou galhos mortos.
"A seca acabou jogando mais combustível no sistema. A floresta, de uma forma geral, ficou mais vulnerável. Isso amplia o problema das queimadas, um dos fatores que vão contribuir para que o carbono excedente do sistema vá para o ar", afirma o pesquisador brasileiro. "Esse processo dura décadas."
Outro estudo já publicado pelo mesmo grupo, segundo Aragão, havia mostrado que em determinadas regiões da floresta a seca de 2005 aumentou o número de queimadas em 33%. "Esses resultados podem ser projetados para o futuro", diz o pesquisador. Segundo ele, o círculo vicioso visto para os meses de seca da floresta em 2005 poderá ficar cada vez mais intenso nas próximas décadas. "Os modelos mostram que a floresta vai ficar mais seca em alguns locais. Claro que esse balanço desfavorável de carbono poderá ser mais frequente", disse.
O resultado disso é que enquanto a seca de 2005 é atribuída a um fenômeno natural -anomalias climáticas no Atlântico-, a culpa sobre as estiagens futuras provavelmente vai recair sobre a humanidade.
Dado de campo não coincide com o de satélitesOs dados obtidos nas 136 áreas reais da floresta amazônica durante vários anos, diz o pesquisador brasileiro Luiz Aragão (Universidade de Oxford), não estão de acordo com a tese de que, mesmo com a drástica seca de 2005, a pior em 60 anos, a floresta amazônica verdejou. "Nossos dados não mostram a mesma coisa. A perda de biomassa ocorreu em grandes áreas", diz Aragão.
De acordo com o cientista, os dados apresentados antes sobre o verdejar da floresta, na mesma revista "Science", foram obtidos apenas por meio de satélites. "Talvez isso explique as diferenças dos resultados", afirma. A validação dos dados dos satélites muitas vezes não se confirma nas medições reais, diz Aragão.
A tese do verdejar na seca poderia significar que o sistema antiestresse da floresta amazônica teria funcionado bem durante uma forte, mas curta, estiagem.
(Por Eduardo Geraque,
Folha de S. Paulo, 06/03/2009)