De um lado, o Brasil avança na diminuição da derrubada da floresta; de outro, a IIRSA ameaça impossibilitar o alcance de metas nacionaisA destruição das florestas ameaça a sobrevivência de todo o planeta. Em todo o mundo, a derrubada e a queima de florestas causam 20% do aquecimento global, mais do que as emissões de gases de todos os automóveis e caminhões. A maioria dos países vem falando muito e fazendo pouco para enfrentar o aquecimento global. O Brasil, porém, é diferente. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, anunciou que o Brasil vai reduzir o desmatamento da Amazônia em 70% até 2017.
Ao fixar essa meta, o país lidera o mundo no esforço internacional para combater o desmatamento e tem o direito de exigir que as nações desenvolvidas cheguem a um acordo para compensar os países em desenvolvimento por "serviços ao ecossistema" fornecidos por florestas saudáveis.
No entanto, ao mesmo tempo em que o Brasil avança, outro programa, a IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional na América do Sul), ameaça acelerar a derrubada da floresta, impossibilitando o Brasil de alcançar essa meta nacional. A IIRSA é uma organização pouco conhecida, um tanto quanto misteriosa, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e por outras instituições multilaterais. Sua meta é construir uma enorme rede de novas rodovias internacionais atravessando a bacia amazônica. E essas estradas vão abrir a porta para invasões de terra, conflitos fundiários e desmatamento maciço.
No vizinho Peru, a IIRSA está trabalhando sobre dois corredores de transporte para o Brasil, incluindo uma estrada que atravessará os Andes, chegando a Cruzeiro do Sul e cruzando o coração do parque nacional Serra do Divisor. Agora que a rodovia Interoceânica ligando o Brasil ao Peru está quase pronta, não há necessidade dessas rodovias adicionais. No Equador, a IIRSA pretende penetrar na bacia amazônica por uma rota rodoviária e hidroviária passando pelo parque nacional Yasuni. E, na Colômbia, a IIRSA propôs mais uma rota em direção leste, até Manaus.
Tais planos superados de construção rodoviária deveriam ser descartados. A questão não é se se deve desenvolver a Amazônia com infraestrutura, mas sim como o desenvolvimento pode ser planejado em base sustentável, voltado ao futuro, ao mesmo tempo protegendo os valores naturais da Amazônia e seus moradores.
No mínimo, é fundamental que sejam discutidas as seguintes questões: 1) Onde o desenvolvimento deve ser localizado na Amazônia ocidental? Com planejamento, novos centros populacionais podem ser desenvolvidos nos lugares certos, do mesmo modo como Brasília foi planejada para ser a capital nacional, em local escolhido para isso. A zona econômica livre em Manaus é um modelo que poderia ser empregado em outro lugar para concentrar o desenvolvimento e evitar a derrubada da floresta.
2) Novas pesquisas científicas nos informam que a cobertura florestal da Amazônia é essencial para manter o regime de chuvas adequado em partes do Sul do Brasil e em suas agroindústrias. A Amazônia não pode ser desenvolvida com a destruição de sua floresta e o desencadeamento de secas no Amazonas, em Mato Grosso e mais ao sul. Como podem as florestas virgens da parte superior do Amazonas ser protegidas contra o desmatamento extenso que já ocorreu na fronteira da Amazônia oriental?
3) O Amazonas histórico é um rio baseado num sistema econômico e ecológico. Até que ponto as vias hídricas naturais do Amazonas e seus afluentes podem ser desenvolvidos para servir de corredores de transportes? Que papel poderiam desempenhar as ferrovias?
4) Petróleo e gás estão sendo descobertos em toda a Amazônia ocidental. Onde devem ser estabelecidos os corredores rodoviários e os oleodutos, para dar acesso a essas reservas e aos locais mais apropriados para o desenvolvimento hidrelétrico futuro?
Nenhuma dessas questões foi levada em conta pelos construtores de estradas da IIRSA. E essas perguntas não podem ser respondidas sem a participação significativa de todos os povos da bacia amazônica. Um plano verdadeiro precisa consistir em mais do que apenas a abertura de milhares de quilômetros de asfalto novo.
Os planos infraestruturais da IIRSA para a Amazônia precisam ser suspensos e revistos à luz de conhecimentos científicos atuais. Há tempo para um novo consenso para o futuro. Com bom planejamento, a Amazônia pode ter florestas saudáveis e, também, comunidades dinâmicas.
(Por Bruce Babbitt e Thomas Lovejoy,
Folha de S. Paulo, com tradução de Clara Allain, 06/03/2009)
* Bruce Babbitt, 70, geólogo, é doutor em direito pela Harvard Law School. Foi governador do Arizona (1978-1987) e secretário do Interior dos EUA (1993-2001). É autor de "Cities in the Wilderness" (Island Press, 2002).
* Thomas Lovejoy, 67, biólogo com doutorado pela Universidade Yale, foi vice-presidente do World Wildlife Fund (1973-1987, EUA), secretário-assistente da Smithsonian Institution (1987-1999) e assessor-chefe de biodiversidade do Banco Mundial (1999-2002).