Os planos de estímulo econômico que estão sendo implementados em todo o mundo poderão impor aos países um crescimento rápido das emissões de gases que provocam o efeito estufa, anulando em parte as iniciativas verdes neles incluídas. É o que apontam algumas análises.
Os pacotes de corte de impostos, créditos e gastos extras têm sido propagandeados por suas credenciais ambientalistas pelos governos que os estão propondo, mas um exame mais detido mostra que os "gastos verdes" respondem por apenas uma pequena parte das iniciativas maiores.
"Essa é uma oportunidade que aparece uma vez na vida e que está sendo mal aproveitada", disse Ben Stewart, porta-voz do Greenpeace, grupo internacional de defesa do ambiente.
Boa parte dos gastos irá para projetos que, na realidade, incrementarão as emissões de poluentes, como novas estradas ou usinas de eletricidade alimentadas a combustíveis fósseis, ao passo que muito pouco dinheiro será dedicado a projetos geradores de baixo teor de carbono para que produzam uma diferença real, acreditam especialistas.
Por exemplo, Barack Obama, o presidente dos EUA, deseja que US$ 27 bilhões sejam gastos em novas rodovias, o que elevará as emissões do tráfego. Embora algumas verbas serão gastas no desenvolvimento de veículos que emitem baixos teores de carbono, como carros elétricos ou a hidrogênio, os benefícios ganhos serão superados pelas emissões geradas pelos carros adicionais movidos a gasolina.
Esses aumentos nos gastos governamentais em atividades altamente emissoras de carbono são uma grave ameaça, segundo um número crescente de economistas, políticos e grupos de defesa do meio ambiente.
Eles estão preocupados com o fato de que - por não "pintar suficientemente de verde" as enormes propostas de expansão fiscal - o mundo estará condenado a décadas de crescimento econômico com altas emissões de carbono, prometendo um desastre para o planeta.
Andy Atkins, diretor-executivo da ONG ambientalista Friends of the Earth, diz que os governos precisam empenhar-se mais para evitar aprisionar a economia mundial em décadas de crescimento com altos teores de carbono. "Necessitamos ações verdes urgentes e abrangentes; chega de intenções e palavreado vazios."
O Programa Ambiental da Nações Unidas (ONU) estima que apenas a Coreia do Sul está hoje gastando o suficiente de seu estímulo em investimentos verdes para reduzir os custos futuros das mudanças climáticas.
O Japão e a Índia gastarão verbas insignificantes em investimentos verdes como energia renovável, eficiência energética e tecnologias que emitem baixos teores de carbono.
Tóquio dedicará 2,6% de seus gastos em investimentos verdes, principalmente eficiência energética em edifícios, de um pacote total de estímulo de US$ 486 bilhões, segundo uma análise do HSBC.
Nova Déli não tem planos para gastar um centavo sequer de seu pacote fiscal de US$ 14 bilhões em atividades visando reduzir as emissões de carbono.
A mesma análise sugere que a China gastará 38% de seus US$ 586 bilhões em temas verdes. Entretanto, a dimensão e os detalhes do estímulo chinês ainda não estão claros, e muitos economistas acreditam que o impacto verde será muito mais modesto e poderá ser mais que compensado por projetos de infraestrutura poluentes.
Com base nos planos atuais, a Europa e os EUA estão um pouco mais bem posicionados do que a Ásia em termos de proteção ambiental.
Obama acenou com a perspectiva de milhões de novos empregos de "colarinho verde", em atividades como a reforma de edifícios federais para dotá-los de maior eficiência energética, e para renovar as envelhecidas redes de transmissão de eletricidade no país. Segundo o HSBC, cerca de 10% das propostas isenções tributárias, gastos extras e outros incentivos propostos nos EUA podem ser classificados como verdes.
França e Alemanha estão dando o exemplo na Europa, sendo que 20% dos US$ 34 bilhões do pacote francês e 13% do pacote alemão focados em setores cujas emissões contêm baixo teor de carbono. No Reino Unido, onde ministros prometeram centenas de milhares de novos empregos verdes, cerca de 7% irão para bens e serviços ambientais.
Por seu turno, a Itália canalizará apenas 1% de seus planejados US$ 100 bilhões para iniciativas verdes e a Polônia, altamente dependente de eletricidade à base da queima de carvão, não planeja incluir qualquer item verde em sua agenda de estímulo.
Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial que escreveu o histórico estudo que concluiu que os custos de enfrentar as mudanças climáticas seriam muito menores do que os custos de nada fazer contra o aquecimento mundial, liderou as exortações em defesa do posicionamento de iniciativas verdes no cerne das iniciativas mundiais de estímulo.
Ele disse: "É vital que esses investimentos não se fixem durante muitas décadas mais a uma insustentável economia baseada em altas emissões de carbono".
Os investimentos em tecnologias com baixas emissões de carbono melhorariam as perspectivas econômicas mundiais de longo prazo, disse ele. "Se vamos promover essa expansão, analisemos qual será a história futura de crescimento. Crescimento com baixas emissões de carbono será a única história de crescimento do futuro".
Stern calcula que os governos precisam gastar US$ 400 bilhões em iniciativas verdes para cumprir os cortes de emissões exigidos e ajudar a recuperar economia mundial.
Somente se os gastos forem centrados em tecnologias com baixas emissões de carbono, o mundo escapará às perspectivas de intensificação das emissões por muitos anos à frente, e de, "assim, ter de gastar muito mais no futuro para trazê-las de volta para níveis seguros", disse Lord Stern.
Apesar disso, as companhias verdes estão, de modo geral, esperançosas em relação aos pacotes, e é fácil ver porquê. A ordem de grandeza das verbas contempladas nos planos de estímulo são enormemente maiores do que os valores dedicados a subsídios verdes e outros incentivos governamentais em anos recentes.
"Se a crise financeira produziu algo, foi a noção de US$ 50 bilhões parece pouco", disse Steve Howard, do Climate Group, influente organização que se empenha em articular empresas para combater as mudanças climáticas.
Assim, ainda que uma proporção dos pacotes de estímulo propostos fosse gasto em projetos como o de geração de eletricidade mais renovável, eficiência energética e desenvolvimento de tecnologias com baixas emissões de carbono, isso representaria um enorme crescimento para as companhias envolvidas em tais planos.
Pavan Sukhdev, um executivo bancário sênior do Deutsche Bank que trabalhou com ideias verdes na ONU, disse: "Investimentos logo estarão sendo reinjetados na economia mundial. A questão é se serão destinados à velha economia extrativa de curto prazo do passado ou a uma nova economia verde".
(Por Fiona Harvey, Financial Times, Valor Econômico, com tradução de Sergio Blum, 06/03/2009)