Secretário Nacional de Meio Ambiente do Partido dos Trabalhadores (PT) e apresentado freqüentemente como um dos sucessores de Chico Mendes na defesa de povos e florestas da Amazônia, o ex-prefeito Júlio Barbosa, de Xapuri (AC), foi condenado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Acre a devolver R$ 318,6 mil aos cofres da municipalidade por falta de comprovação do saldo bancário.
O processo do TCE que apurou irregularidades na prestação de contas da prefeitura de Xapuri, no exercício de 1999, durante o primeiro mandato de Barbosa, teve como relatora Naluh Gouveia. No ano passado, ela renunciou ao mandato de deputada estadual e se desfiliou do PT para assumir o cargo de conselheira.
Os conselheiros do TCE aprovaram o relatório com aplicação de uma multa de R$ 31,8 mil contra o ex-prefeito, equivalente a 10% do valor a ser devolvido. Eles também decidiram por abrir um processo autônomo para investigar a legalidade de pagamentos que foram efetuados ao prefeito. Além disso, encaminharam cópia dos autos ao Ministério Público Estadual para as providências que julgar convenientes.
Povos da floresta
Antes de se tornar Secretário Nacional de Meio Ambiente do PT, o ex-seringueiro Júlio Barbosa presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e o Conselho Nacional dos Seringueiros, sendo um dos principais articuladores, no final dos 1980, da extinta Aliança dos Povos da Floresta.
Barbosa administrou a prefeitura de Xapuri durante dois mandatos, mas os últimos quatro anos de sua gestão foram tão desastrosos que a população optou por eleger o peemedebista Wanderley Viana, antigo adversário dos petistas e dos seringueiros. No ano passado, o PT reconquistou a prefeitura da cidade, tendo Barbosa sido destacado pelo partido como um dos coordenadores de campanha.
De acordo com a conselheira Naluh Gouveia, o ex-prefeito era obrigado a compor dívida, mas não conseguiu justificar as despesas nos extratos de conciliação bancária.
- Ele não poderia deixar dívida para o exercício seguinte e não prestou contas. Outro problema, que é gavissimo, foi ter aplicado apenas 21,23% dos 25% destinados à educação. Também deveria ter aplicado 60% da verba do então Fundef, mas aplicou apenas 55,95%. Outros 15% do orçamento deveriam ter sido aplicados em saúde, mas apenas 13,58% foram aplicados. Ele descumpriu todas essas obrigações constitucionais. Restou comprovado que ele tinha R$ 318,6 mil e o dinheiro sumiu - disse Naluh Gouveia ao Blog da Amazônia.
A ex-petista, que participou de atos e campanhas políticas na companhia de Barbosa, ponderou que fez uma opção de vida ao aceitar o cargo de conselheira do TCE.
- Estou aqui para zelar pelo dinheiro público. Não posso me deixar influenciar pelas amizades. Eu me sinto muito mal como cidadã diante de casos tão graves quanto esse, ocorrido na prefeitura de Xapuri. Ao relatar o caso, tive a sensação de que estava lidando com um gestor público que não gostava do povo de Xapuri, uma cidade cuja população lida com tantas deficiências. Quem gosta, toma conta e faz tudo direitinho - comentou a conselheira.
A ex-deputada disse que realizou uma apuração técnica, baseada em documentos, que pode não resultar em nada caso prevaleça espírito de corpo com motivação política. Segundo a conselheira, as contas do ex-prefeito não foram ainda aprovadas pela Câmara Municipal de Xapuri.
- Nesse caso de Xapuri, podemos perder todo o trabalho técnico que tivemos no TCE, como órgão auxiliar de fiscalização e controle de contas públicas. Para isso, basta que a política se encarregue de fazer com que as contas do ex-prefeito sejam aprovadas pelos vereadores - assinalou.
Nesse sentido, o caso mais emblemático no Acre envolve a prestação de contas do ex-governador Orleir Cameli, que antecedeu as três últimas gestões de governos do PT no Estado. Por causa de acordos políticos, as contas de Cameli até hoje não foram apreciadas pela Assembléia Legislativa do Acre.
O ex-governador, que possuía quatro CPFs, se tornou aliado político do PT, e segue como um dos maiores empreiteiros da Amazônia. Ele participa das obras de construção da BR-364, no trecho que liga Rio Branco e Cruzeiro do Sul, na região mais ocidental do país.
No mês passado, por exemplo, o senador Tião Viana (PT-AC), que era um dos maiores críticos dos desmandos administrativos do governo Cameli, fez questão de posar para foto ao lado dele durante assinatura de uma ordem de serviço de R$ 25 milhões para construção da nova rede de abastecimento de água de Cruzeiro do Sul.
Na verdade, na região do extremo-oeste brasileiro estão em jogo R$ 40 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento apenas para o abastecimento de água tratada nos municípios de Marechal Thaumaturgo, Porto Walter, Mâncio Lima e Rodrigues Alves.
"Erro de lançamento"
O ex-prefeito Júlio Barbosa, que dá palestras no Brasil e no exterior sobre socioambientalismo, disse à reportagem que aguarda ser notificado da decisão do TCE para providenciar a defesa dele.
- Tenho que pegar todos os extratos bancários e empenhos. O meu desafio é mostrar que apliquei devidamente os repasses constitucionais de saúde e educação. Posso, digo isso hipoteticamente, ter mandado construir uma escola e a despesa ter sido lançada como sendo da Secretaria de Obras. Os meus contadores estão fazendo o levantamento necessário da docuemtnação. Erro de lançamento é o que mais ocorre com os prefeitos no país - afirmou Barbosa.
(Terra Magazine,
Amazonia.org, 04/03/2009)