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educação e sustentabilidade
2009-03-05
A primeira impressão foi chocante para aquelas crianças de 8 e 9 anos. Em um mangue próximo à foz do rio Santa Maria da Vitória, na capital capixaba, a classe de 2ª série da EMEF Francisco Lacerda de Aguiar encontrou um cheiro forte e lixo, muito lixo. “Como isso tudo veio parar aqui?”, perguntou um dos alunos à professora Maria Helena Klein. Ela, que mais tarde iria usar essa curiosidade para explicar as causas da poluição e como combatê-las, preferiu apontar para uma cena curiosa: a lama do mangue parecia ser revolvida por pequenas garras negras. Eram siris. Em meio aos dejetos, a natureza respirava. E servia de sustento para uma comunidade ribeirinha, como todos ficaram sabendo depois.

Levar a garotada a compreender as relações que estruturam uma paisagem cultural – a união de elementos naturais e de construções humanas num determinado espaço – é uma das principais tarefas de quem leciona Geografia. Maria Helena conseguiu cumprir essa missão ao desenvolver uma sequência didática muito bem estruturada, que lhe rendeu o troféu de Educadora Nota 10 do Prêmio Victor Civita de 2008. “A grande qualidade do trabalho dela é mostrar a interligação entre uso da terra, poluição dos rios e proteção dos manguezais. É um avanço na abordagem da questão da água, que em geral é vista apenas sob a ótica da preservação, como se fosse possível separar os recursos naturais e da ação humana”, diz Sueli Angelo Furlan, professora da Universidade de São Paulo e selecionadora do Prêmio.

Como toda cidade ou região tem um rio próximo, a iniciativa de Maria Helena pode servir de incentivo a educadores de todo o país. E não apenas porque o estudo de bacias hidrográficas é um conteúdo curricular importante. O objetivo principal é ajudar os alunos a enxergar a paisagem pelos olhos da Geografia, relacionando sociedade e natureza e reconhecendo que é a interação entre esses dois polos que constrói o espaço. “Do 1º ao 5º ano, é mais importante enfatizar essa intensa ligação do que se aprofundar em conhecimentos específicos, como as características dos diferentes tipos de vegetação ou de rios”, afirma Sueli.

O trabalho de campo oferece ótimas possibilidades de abordar o assunto. Mas o professor precisa direcionar a atenção da turma para os conteúdos que planeja ensinar. Para isso, um primeiro passo é desconstruir didaticamente a realidade, desdobrando-a em partes. Uma separação essencial é justamente entre os aspectos físicos (características de clima, relevo, solo, hidrografia, fauna e flora) e os socioculturais (relativos à presença humana e à forma como os recursos naturais são utilizados).

Isso é necessário porque ninguém consegue interpretar adequadamente um espaço sem fazer antes um recorte. Agindo assim, você pode jogar luz sobre determinados aspectos, que, no caso de um observador sem foco, passariam despercebidos. Ao pedir que a turma examine a água do rio, por exemplo, entram em cena questões sobre sua cor. Digamos que ela seja barrenta: esse é um dado importante, pois provavelmente as margens sofrem com a erosão. A percepção do aluno, nesse caso, está diretamente relacionada à intencionalidade do educador, que chama a atenção para aquilo que considera mais relevante.

A mesma estratégia vale para outros aspectos físicos e socioculturais, abordados tanto em tarefas de observação como em entrevistas. “Notem que animais habitam as margens”, “Contem quantas indústrias conseguimos enxergar”, “Percebam o que aquelas pessoas estão coletando no manguezal” são exemplos de intervenções, todas usadas por Maria Helena.

A etapa seguinte é recompor o que foi separado. A ideia é obter uma síntese melhorada pelos novos conhecimentos que a garotada adquiriu. Já de volta à sala de aula, uma forma prática de mostrar à turma essa visão integradora é sobrepor em transparências mapas relativos aos aspectos naturais – cartas topográficas, de bacias hidrográficas e de vegetação – e os que mostram intervenções humanas – fotografias aéreas de uso da terra e da rede de estradas, por exemplo.

Esse momento é também ideal para trabalhar outros dois conceitos importantes da Geografia: o de área – ou seja, a noção de que um rio possui uma extensão que integra diferentes paisagens culturais – e o de apropriação social – a forma como o homem utiliza os recursos da natureza.

Nesse momento, a turma vai perceber quais modificações foram introduzidas (a construção de cidades, indústrias, hidrelétricas, a retificação de cursos dos rios, o desmatamento etc.) e os impactos de cada uma delas (poluição, diminuição da biodiversidade, aumento da erosão, assoreamento, desemprego de pessoas que dependiam do rio para sobreviver e assim por diante). Além de reforçar a ideia da relação entre natureza e sociedade, é o gancho para entrar no debate ecológico: o que fazer com o rio para que ele continue sendo (ou volte a ser, dependendo do caso) fonte de vida?

É provável que um aluno sem olhar geográfico considere a pergunta óbvia, respondendo-a com certo enfado: “Ora, é preciso preservar!” O aprendizado da disciplina permite ir além, estabelecendo a distinção entre preservação – situação em que a natureza permanece intocada – e conservação – o uso de recursos para as demandas sociais com responsabilidade.

A turma de Maria Helena Klein aprendeu que, para cuidar do Santa Maria da Vitória, todos os usuários do rio precisam interagir. A qualidade da água que abastece a capital capixaba, no estuário, depende do que os habitantes das outras cidades fazem com ele.

Também chegaram à conclusão de que é preciso preservar para conservar. Afinal, práticas como a coleta de siri e a pesca dependem de ambientes intocados. Ao enxergarem o rio como uma totalidade integrada, compreenderam que a conservação é um desafio coletivo. Uma descoberta feita pelo olhar geográfico que a professora ajudou a construir.

Uma pesquisa de campo exemplar
A professora Maria Helena Klein nasceu em Domingos Martins, a 64 quilômetros de Vitória, em 1967. Vinda de uma família de agricultores – seu pai até hoje tem um sítio, em que planta banana, café e hortaliças –, ela é a caçula de 13 irmãos. Para tornar-se docente, mudou-se com uma irmã para a capital capixaba, onde cursou o Magistério e leciona desde os 17 anos. Aos 23, atraída pelas questões ambientais, optou pela graduação em Geografia na Universidade Federal do Espírito Santo.

O projeto premiado do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 foi realizado ao longo de quatro meses, envolvendo estudo em sala de aula e trabalho de campo. O passo inicial foi uma visita ao manguezal próximo à EMEF Francisco Lacerda de Aguiar, uma área degradada na foz do rio Santa Maria da Vitória. “Expliquei que ele nascia nas montanhas de Santa Maria de Jetibá e passava por outros municípios até desaguar em Vitória.” Foi a deixa para mostrar o trajeto no mapa do estado.

Em seguida, a professora explicou à classe que a proposta era conhecer alguns lugares do percurso e interagir com alunos de escolas desses municípios para entender melhor a relação do rio com as pessoas que vivem ao redor dele.

Primeiro, a garotada tomou contato com as cidades que seriam visitadas por meio de postais, reportagens de jornal e internet. Logo começaram as viagens. Primeiro, ao município de Santa Leopoldina, oportunidade para a turma observar a fauna, a flora, o relevo e as modificações feitas pelo homem no médio curso do rio. Depois, à nascente, em Santa Maria de Jetibá, onde os alunos puderam ver que o assoreamento e a poluição começam por lá. Por fim, na visita a Cariacica, em região de estuário como a da própria escola, a classe viu uma situação bem conhecida: um grande manguezal, de onde catadores de mariscos e siris extraem seu sustento.

Em cada etapa, entrevistas com a comunidade local ajudavam a ampliar a percepção. O registro também não foi esquecido: relatos escritos e desenhos de observação serviram para fazer a turma sistematizar o que havia sido visto. Para Maria Helena, além do aprendizado do rio como um elemento integrador de diversas paisagens culturais, o projeto contribuiu para que os alunos pudessem refletir sobre a própria prática. “Percebi que todos se sensibilizaram com a necessidade de preservar o rio. Acho que a mudança não ficou só no discurso: notei que alguns hábitos do cotidiano familiar também se transformaram. Vários pais me relataram que os filhos discutiram medidas para reduzir o consumo e o desperdício de água em casa”, conta ela.

Quer saber mais?
Bibliografia:
Os Manguezais e Nós: uma Síntese de Percepções, Marta Vannucci, 304 págs., Ed. Edusp, tel. (11) 3091-4150, 63 reais

Contatos
EMEF Francisco Lacerda de Aguiar, R. Guilherme Bassini, 400, 29030-015, Vitória, ES, tel. (27) 3322-2974
Sueli Furlan, suelifurlan@uol.com.br

(Por Rodrigo Ratier, com reportagem de Thais Gurgel, revista Nova Escola, Planeta Sustentável, 04/03/2009)

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