Sempre por trás das grandes crises globais econômicas, o ícone da supremacia industrial ocidental se apresenta novamente para cobrar seu espaço num mundo em crise ambiental. O estopim da crise nos Estados Unidos (EUA) foi o mercado de crédito imobiliário e grandes instituições de investimentos. Logo, outros setores tradicionais apresentaram seus sintomas e como não poderia deixar de ser, a indústria automotiva estava pronta para barganhar seus pacotes econômicos exclusivos.
Não podemos esquecer que a luta contra o aquecimento global, as medidas necessárias para conter os efeitos negativos das mudanças climáticas, dependem de uma redução dos níveis de emissão de combustíveis fósseis. Conseqüentemente, o encolhimento desta atividade industrial deveria estar nos planos governamentais. Não medidas para postergar um fim anunciado e necessário. Mas planejamento para recolocação das vagas e empregos perdidos em setores mais sustentáveis, como tecnologia de comunicação.
A história da indústria automotiva é marcada por grandes crises e grandes viradas de mesa. Cada montadora já passou por uma série de abalos e reestruturações históricas. Porém, nos últimos anos, a crise só se agravou, e desde 2004, o setor acumula US$ 73 bilhões de prejuízo. Então qual é a novidade?
Tenho a convicção de que este é um setor que não deve receber nenhuma regalia governamental, é um mercado insustentável pela sua magnitude e produto final: o automóvel. É uma questão de espaço físico. Hoje a produção de veículos leves está em torno de 68,9 milhões de unidades, e deve recuar para 59,3 milhões, devido à crise. E segundo especialistas o recorde atual somente será batido em 2012. Isto me preocupa, pois significa que as metas industriais são inversamente proporcionais aos objetivos e metas acordadas para tentar conter os efeitos climáticos do nosso padrão de produção e consumo. Neste caso, a redução das emissões de dióxido de carbono, o CO2.
Podemos identificar quatro grandes pólos de produção: os Estados Unidos, com a indússtria de carros utilitários, a Europa com carros de alto luxo e esportivos de alto desempenho, a Ásia, que é uma grande exportadora e atende à diversidade de cada mercado, além da América Latina, com o foco na produção de carros populares para mercados emergentes.
O Brasil tem ampliado sua participação neste cenário, estimulado por uma série de inovações tecnológicas industriais, incentivos governamentais através da guerra fiscal, necessidade de ampliar a oferta de empregos e incentivo ao consumo pelo crédito fácil e barato. Recente balanço divulgado indica que somente nos dois primeiros meses de 2009, mais de 100 mil veículos foram recolhidos por falta de pagamento. Evidente, ninguém mais compra carro. Na verdade, todo mundo compra uma carta de crédito e sai dirigindo. E porque esta necessidade? O que gera este fascínio? É que o automóvel é símbolo de status e sucesso.
Um produto que está no imaginário coletivo como algo que agrega valores sociais mensuráveis e quantificáveis, com a marca, o modelo, o ano de fabricação, os acessórios disponíveis e tudo que envolve seu conceito no âmbito de uma sociedade de consumo. Aqui está o seu fascínio e encanto.
São brinquedos e lazer, são objetos fálicos para alguns, sinônimo de poder e masculinidade; são indicativo de sucesso profissional, ferramenta de trabalho e uma arma nas mãos de outros. Aqui no Brasil os automóveis matam mais que as guerras; são gerações e sonhos perdidos nas rodovias.
As cidades estão feitas para os automóveis. E aqui está a necessidade para alguns. Sim porque, bem como a cidade é para o automóvel, o transporte público coletivo é para as empresas de transporte, não é para a população. Os cartéis empresariais que dominam o transporte público nas grandes capitais do Brasil, impõem seus ritmo, seus turnos, seus valores de passagens e sua qualidade de serviços. Na grande maioria dos casos, serviços péssimos e caros. Este é um ciclo vicioso: transporte público precário e caro, mais estímulo para aquisição e uso do automóvel, mais carros nas ruas, mais congestionamentos, pior fica o transporte público. Hoje, cidades como São Paulo colocam 800 carros por dia na frota.
Enquanto as montadoras nacionais barganhavam incentivos e pacotes econômicos setoriais com o governo, com a antiga chantagem das demissões, os números indicavam um outro cenário. O Brasil registrou em 2008 o segundo maior crescimento em vendas, foram vendidos 2,67 milhões de automóveis em 2008, sendo 14,1% a mais que 2007. Mas mesmo assim as montadoras já demitiram 1.858 empregados, podendo chegar até 5.500.
Para estimular o setor, o governo federal anunciou em Dezembro a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para as montadoras. Segundo a Fenabrave, as vendas de automóveis cresceram 5,11% por cento em Janeiro sobre Dezembro, para 158.255 unidades.
Então: em Janeiro vende-se mais de 158 mil unidades, em Fevereiro são vendidos mais 200 mil unidades, cerca de 10.00 unidades diárias, e as empresas não pararam de demitir; foram as primeiras a assinar as rescisões. Tem alguma coisa errada.
Temos que entender que políticas econômicas que estimulam o consumo ou dão fôlego à indústria do aquecimento global são prejudiciais ao meio ambiente e à sustentabilidade das cidades.
Manter empregos e gerar capital industrial concentrado às custas da qualidade de vida nas cidades e de seus cidadão é não ter perspectiva a médio e longo prazo, é recorrer ao erro e ignorar as questões ambientais, é ir contra as metas e compromissos tratados em torno da redução do que chamamos de aquecimento global.
Temos outras alternativas além de algumas montadoras transnacionais que usam seus trabalhadores como escudos humanos mediante momentos de crise e redução de lucros.
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Agência Chasque, 05/03/2009)