Uma semana depois de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, ter cobrado do Ministério Público a investigação de repasses do governo federal para o MST, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, reagiu, com críticas indiretas ao ministro. "O conflito agrário é algo complexo que não se resolve em uma conversa ou afirmação", comentou. Souza deixou claro que as procuradorias estaduais estão encarregadas das investigações e fez mais uma crítica velada a Mendes: "O MP já está trabalhando nisto há muito tempo, sem estardalhaço".
Mesmo criticando Mendes, o procurador buscou manter o tom polido. "Eu não faço juízo de quem fala e do que fala, cada autoridade age como quer agir; mas tenho a responsabilidade de só falar aquilo que eu posso provar", disse. "O que eu falo, eu assino embaixo", reforçou.
Antonio Fernando disse que os repasses de verbas para o MST são investigadas em pelo menos quatro estados: São Paulo (Presidente Prudente), Alagoas, Goiás e Pernambuco. Disse também que o trabalho dos procuradores não está centrado apenas nas invasões de terras, mas na defesa do patrimônio público e nos atos de violência contra os trabalhadores rurais. "Não podemos tomar partido de A, B ou C".
O procurador reconheceu que as declarações do presidente do STF, Gilmar Mendes, podem estar limitadas aos episódios ocorridos há dez dias - as invasões em Pernambuco e no Pontal do Paranapanema (SP), que resultaram na morte de quatro seguranças. "Sobre estes procedimentos recentes, possivelmente ainda não existam investigações em curso".
A assessoria da Procuradoria da República em Alagoas distribuiu material apontando que existem onze procedimentos administrativos de investigação envolvendo os movimentos agrários no Estado. Além disso, existem cinco ações de reintegração de posse e 15 inquéritos e ações criminais sobre depredações de prédios públicos, desobediência à ordem judicial de desocupação, vandalismos e furtos atribuídos aos integrantes do MST e do MTL. Em Pernambuco, existem dois processos criminais e quatro processos administrativos envolvendo questões agrárias.
Souza afirmou que os novos procuradores se conscientizaram de que não vale a pena fazer estardalhaço com as próprias atuações. "Nós não anunciamos o que vamos fazer, nós fazemos". No passado recente, o Ministério Público foi bastante criticado por antecipar ações e muitas vezes, gerar expectativas na opinião pública e na imprensa que acabam não se concretizando. "Estamos em um momento de amadurecimento institucional. Não é que o Ministério Público deva ficar longe da imprensa, é que esta relação deve acontecer com base em resultados".
As declarações de Gilmar Mendes geraram reações também no Executivo. Ministros afirmaram que havia juízes demais se pronunciando fora dos autos. Antonio Fernando foi mais diplomático. "O Estado brasileiro seria muito melhor se as autoridades se limitassem a exercer suas próprias atribuições".
O procurador também divergiu de outra opinião do ministro Gilmar Mendes, de que o Brasil vive um estado policialesco. O presidente do STF manifestou este argumento durante os desdobramentos da Operação Satiagraha, que colocou em polos opostos o Supremo e o Executivo. "Se nós podemos conversar, exercer nossos direitos, estamos longe de um estado policial", comentou. "Se há um caso assim, tem que ser tratado como tal, e não achar que há uma contaminação do sistema estatal".
O procurador minimizou a disseminação de escutas telefônicas, argumentando que a divergência nos números de interceptações telefônicas em curso no país demonstra que o caso não é tão grave assim. "Temos de partir do princípio de que as escutas autorizadas por juízes são legais".
(Por Paulo de Tarso Lyra,
Valor Econômico, 04/03/2009)