O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deverá conceder, entre hoje e amanhã, a licença de instalação da usina nuclear de Angra 3. A autarquia avaliou que a Eletronuclear cumpriu as 60 exigências contidas na licença prévia - que atesta a viabilidade ambiental do projeto - e decidiu autorizar a retomada das obras, paradas desde 1986.
Conforme adiantou ao Valor o presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, ficará mantida a condicionante mais polêmica da análise feita pela autarquia: a usina só poderá entrar em operação, quando as obras forem concluídas, se tiver apresentado à época o projeto executivo para a construção de um depósito para armazenamento "definitivo" dos rejeitos atômicos. Pelo cronograma do governo, Angra 3 deverá iniciar suas operações em 2014.
Essa era a 18ª exigência imposta pelo Ibama na licença prévia, concedida em julho do ano passado, e já havia causado um desentendimento público entre autoridades ambientais e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Para a CNEN, é dela a atribuição constitucional de definir onde será depositado o lixo atômico no longo prazo. Portanto, segundo a comissão, essa condicionante não poderia ser feita no projeto de Angra 3, cuja empreendedora é a Eletronuclear.
Além disso, a CNEN e especialistas do setor elétrico dizem que nenhum país tem uma solução absolutamente definitiva para o armazenamento de rejeitos de alta radioatividade, como os compostos de urânio processado que funcionam como combustível na geração de energia. A comissão trabalha no projeto de um "depósito intermediário de longa duração", capaz de armazenar por vários séculos (fala-se em 500 anos) o lixo nuclear em cápsulas de aço inoxidável soldadas e lacradas, enterradas em uma forte estrutura de granito.
Messias jogou panos quentes na discussão e disse que a solução em estudo pela CNEN "pode ser entendida" mais adiante como um armazenamento definitivo dos rejeitos. Dependerá, essencialmente, da avaliação do Ibama na ocasião. Ele deixou clara a disposição da autarquia ambiental em exigir, para Angra 3, o que existir de mais seguro no mundo para diminuir os riscos de acidentes com o lixo.
"Daqui a cinco anos certamente haverá novos tratamentos para a questão dos rejeitos. Países como Alemanha, França e Finlândia vêm estudando muito isso", afirmou. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, confirmou que essa condicionante também consta da licença de instalação.
Pelo Ibama, a Eletronuclear já pode retomar a construção de Angra 3. No fim de agosto, a autarquia já havia autorizado a instalação do canteiro e pequenas obras preparatórias. Para erguer os primeiros pilares, no entanto, a estatal ainda precisa da licença de construção da CNEN, o órgão regulador das atividades nucleares, que deve sair ainda este mês.
Para o ministro do Meio Ambiente, histórico opositor das usinas nucleares, a liberação definitiva de Angra 3 demonstra que ele seguiu à risca o compromisso de não prejudicar a retomada das obras, apesar de suas convicções pessoais. Minc sempre alegou que, quando assumiu o cargo, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) já havia aprovado a conclusão de Angra 3, com um único voto contrário - justamente o da sua pasta.
Mas o ministro avisou que segue com disposição para lutar contra os projetos de novas usinas nucleares no Brasil, depois de Angra 3. "Continuo achando que a questão do lixo ainda não está bem resolvida e que a energia nuclear é cara", disse.
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, já anunciou a intenção de escolher, até o fim do governo Lula, a localização exata de pelo menos duas novas usinas nucleares no Nordeste. Também estão em estudo, mas de forma menos avançada, duas usinas no Sudeste. O mais provável é que as usinas nordestinas sejam construídas na faixa costeira entre Salvador e Recife. Os governos de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe demonstraram interesse em abrigar as futuras instalações, de acordo com Lobão.
Minc é contra. "O meu desafio (no governo) é provar que podemos avançar na questão energética sem precisar de novas térmicas a carvão ou a óleo, que são o pior de tudo, nem usinas nucleares", afirmou. Para evitar que a matriz elétrica se expanda por esse caminho, o ministro disse que o meio ambiente deve fazer o licenciamento de hidrelétricas de forma "mais rápida e segura".
Na sexta-feira, chegou ao Ibama o estudo de impacto ambiental da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, que terá potência superior a 11 mil megawatts, quase o dobro da capacidade das duas usinas do rio Madeira, em Rondônia. Mas alguns pontos do termo de referência elaborado pelo Ibama não foram contemplados no EIA-Rima e o estudo pode voltar para complementações da Eletronorte.
(Por Daniel Rittner,
Valor Econômico, 04/03/2009)