Todos sabem que orgânico é o alimento produzido dentro dos princípios da ecologia, gerado sem o emprego de fertilizantes ou pesticidas sintéticos. Não só o alimento como o produto, processo ou método que respeita esses princípios. O que a maioria desconhece é a cadeia de sustentabilidade que existe por trás do produto orgânico, animal ou vegetal. O produtor orgânico tem que seguir uma série de regras para que seja mantida a harmonia entre os setores social, ambiental e econômico. É preciso cumprir a legislação sanitária, os trabalhadores e suas famílias tem seus direitos preservados, o solo só pode ser enriquecido naturalmente e os animais devem ser criados livres. Nada de usar agrotóxicos, pesticidas, adubos químicos, sementes transgênicas, hormônios de crescimento, anabolizantes e outras drogas.
Ou seja, ao levar o produto certificado como orgânico para casa, o consumidor está cuidando da sua saúde e entrando numa corrente aonde os elos vão desde a despoluição do meio ambiente, passando pela agricultura familiar que gera emprego e renda e terminando no consumo consciente. Se antes os orgânicos eram comuns apenas no exterior, hoje eles estão cada dia mais presente na realidade das cidades brasileiras e na nossa pauta de exportações.
Dados divulgados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento revelam que em 2007 as exportações de orgânicos somaram cerca de US$ 12 milhões. De janeiro a setembro de 2008 esse valor estava batendo a casa dos US$ 10 milhões. O Ministério alerta que poderíamos exportar mais se a oferta fosse maior. A demanda interna tem crescido tanto que há problemas no abastecimento o que acaba refletindo nas exportações. A pasta tem desenvolvido atividades de fomento. Mas além do governo e de iniciativas privadas, há outros projetos e entidades estimulando o desenvolvimento do setor. É o caso do OrganicsNet, projeto criado pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
Empreendido pela Incubadora de Empresas da SNA, o projeto tem foco na agricultura orgânica e apoio do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento e de outras instituições como o Sebrae/RJ. “Começamos com oito, nove participantes do estado do Rio de Janeiro. Hoje temos produtores de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Acompanhamos a vida desses produtores dando visibilidade aos seus produtos, possibilitando seu acesso a ferramentas que facilitem a gestão dos negócios, estimulando a integração e a troca de informações entre os próprios produtores e dando condições a que eles atinjam mercados mais sofisticados os levando a participar de feiras”, diz Silvia Wachsner, diretora da SNA. A produção ainda não é grande, mas tem crescido na medida da procura. Os produtos dos participantes do OrganicsNet são muito variados como soja orgânica, cosméticos, pães, sorvetes, vinagres, cachaça.
O Sebrae/RJ, além da parceria com a SNA, está se estruturando para melhor atender o segmento de orgânicos. Essa, inclusive, é uma das diretrizes do planejamento estratégico 2009-2015. Segundo Antônio Batista Ribeiro Neto, gerente da área de desenvolvimento territorial do Sebrae/RJ, a entidade está criando um projeto de Certificação de Produtos Orgânicos para trabalhar com empresas e produtores das regiões Serrana, Médio Paraíba e Centro Sul do estado, além da Zona Oeste do município do Rio. A meta é certificar cerca de 70 produtores em até dois anos.
“O estado não é predominantemente agrícola, mas diversas culturas são cultivadas em território fluminense. Muitas tem como migrar para a produção orgânica, pois o mercado sinalizou positivamente com a demanda. Só que esse é um processo lento que envolve mudança de cultura, conscientização e investimentos. O certo é que o estado possui cerca de 280 propriedades que já tem algum tipo de certificação para seus produtos. Com o esse projeto de certificação do Sebrae/RJ temos certeza que ampliaremos esses números”.
“A filosofia do orgânico chegou ao Brasil há cerca de dez anos, mas o enfoque comercial só aconteceu de uns cinco anos para cá, quando começamos a organizar melhor a cadeia”, explica Ming Liu, coordenador executivo do Projeto Organics Brasil, resultado de uma ação conjunta da iniciativa privada (Instituto de Promoção do Desenvolvimento e da Federação das Indústrias do Estado do Paraná) e entidade governamental (Apex-Brasil - Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), com o objetivo de promover os produtos orgânicos brasileiros no mercado internacional.
“Essa organização da cadeia foi provocada entre outras coisas pelo aumento da demanda e por um incremento do PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. O produto orgânico tem muito esse aspecto social inclusivo. Embora sejamos uma organização de fomento a exportação, priorizamos em todas as nossas ações com o produtor, com a empresa de orgânicos, que primeiro é preciso desenvolver e conquistar o mercado local para depois exportar”.
O Organics Brasil vem aumentando sua base de empresas exportadoras associadas: em 2008 passou de 42 para 64 empresas, com negócios consolidados na ordem de US$ 58 milhões. Os produtos foram para 70 países em todos os continentes, especialmente para os Estados Unidos, países da Comunidade Européia e Canadá. Este é um setor que congrega empresas dos mais variados tamanhos e que demonstra potencial. Em 2009 o Brasil está dando um grande passo com a implementação do selo do governo federal. Até então o mercado trabalhava com várias certificadoras com critérios diferenciados. Liu explica que as certificadoras desenvolvem um trabalho sério, mas com o selo oficial unificaremos os produtos orgânicos o que facilitará a identificação para o consumidor brasileiro.
“Isso também ajudará a educar esse consumidor. Mercados maduros como Alemanha, Estados Unidos e Japão instituíram seus próprios selos anos atrás. Essa regulamentação do governo também terá aspecto positivo nas exportações. Teremos um maior controle e números mais precisos sobre tudo que é vendido e é realmente orgânico. Apesar do desaquecimento da economia mundial as perspectivas para o setor continuam positivas”. As frutas orgânicas e os insumos - para alimentos e cosméticos - figuram como os itens de maior demanda externa. Os produtos industrializados, como roupas de algodão orgânico, cosméticos e alimentos (banana passa ou barra de cereais) com ingredientes da Amazônia também tem tido muita procura.
Sul e Sudeste à frenteÉ nas regiões Sul e Sudeste que se concentram a maior parte dos produtores de orgânicos. Muito devido a proximidade dos grandes mercados consumidores como Rio, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre. “Cerca de 85% dos projetos orgânicos da Agrosuisse são no Sul e Sudeste”, destaca Fábio Ramos, sócio-gerente da empresa que há mais de 20 anos presta consultoria e assessoria técnica e econômica em agroecologia e agricultura orgânica. “Nordeste e Centro-Oeste começam a ter interesse. Essa última em função da pecuária”. Conta que existem dois perfis de produtores que optam pelo segmento.
O que lida com agricultura há 20, 30 anos e não consegue um resultado satisfatório com o cultivo tradicional e aquele que decide investir em orgânicos atraído pelo alto preço nas vendas, buscando um maior ganho. “Mas antes de começar a produzir orgânicos o produtor passa por muitos desafios. O primeiro deles é etapa de conversão quando ele entra no modelo ecológico. Isso é uma transformação cultural. Ele também precisa investir em tecnologia para mais adiante baixar o seu custo de produção o que acontece quatro a cinco anos após a conversão” explica.
Fábio diz que o Brasil já tem mais de um milhão de hectares certificados como terra orgânica, podendo se transformar numa das maiores áreas orgânicas do mundo, perdendo apenas para a Austrália. “No momento estamos na fase de construção da cadeia agroalimentar da produção orgânica. Para chegar ao patamar de países da Europa, como Alemanha, precisamos ter toda a cadeia de produção organizada, processamento, logística e mercado. Aí o consumidor sentirá uma queda no preço”. Ele destaca um ponto interessante. “Monitoramos os preços junto com pesquisadores da Pesagro - Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro e a até o ano de 2000, 2001 a diferença de preço do orgânico para o convencional era de 20% a 30% a mais, o normal para produtos ligados à saúde, onde o cultivo é diferenciado, mais caro e lento para o produtor.
Quando as grandes redes de supermercados começaram a oferecer esses produtos e perceberam que havia demanda, entre 2002 e 2005 os preços deram uma disparada. Mas os consumidores podem procurar nas suas cidades as feiras livres de orgânicos onde é possível fazer as suas compras direto do produtor a preços bem em conta. Existem feiras específicas por todo país”, ensina.
Crescem as vendasPioneiro na venda de orgânicos entre os supermercados cariocas, o Zona Sul que possui uma rede de 30 lojas na cidade do Rio, entrou nesse mercado em 1997 antecipando a demanda. A empresa soube da tendência do consumo de orgânicos na Europa e trouxe da França o primeiro contêiner com sucos, cereais e outros produtos. “Depois disso, fizemos contato com um fornecedor no Brasil, em São Paulo. Iniciamos comercializando os produtos orgânicos numa única loja para mais tarde expandir as demais. No início dos anos 2000, criamos um comitê interno de orgânicos com um gestor que só pensava nestes produtos, pesquisando fornecedores e certificadoras, buscando soluções para problemas logísticos, facilitando a operação e centralizando o recebimento. Comitê esse que devemos reeditar em 2009″, anuncia Pietrangelo Leta, gestor de compras do Zona Sul. Apesar do segmento representar hoje cerca de 0,60% das vendas da rede, algo em torno de R$ 5 milhões, eles seguem investindo.
“O maior concorrente do produto orgânico é o produto convencional e nem sempre o produtor de orgânicos entende isso. Ele acha que não tem concorrência. Então, ao invés de separar os produtos no ponto de venda, em determinadas ocasiões colocamos orgânicos e convencionais lado a lado, não só para educar o consumidor como também para forçar uma queda no preço do orgânico. O próprio consumidor irá pressionar o produtor a rebaixar esse preço”, diz Pietrangelo.
Já para o Grupo Pão de Açúcar é importante continuar evidenciando ao mercado que eles são o maior vendedor de produtos orgânicos, mesmo que o faturamento de 40 milhões de reais no segmento em 2008, não seja expressivo para um grupo do seu porte, com lojas espalhadas por quase todo país. Sandra Caíres, gerente comercial de FLV (frutas, legumes, verduras) do Grupo, revela que em hortifruti eles comercializam cerca de 200 itens mudando em função da safra e da sazonalidade do produto. Em mercearia são 156 itens em linha o ano todo. Outra categoria que destaca são as carnes orgânicas. O Grupo mantém uma variedade constante de 20 cortes de carne bovina em todas as lojas Pão de Açúcar e Extra Brasil.
“Há 13 anos o Grupo trabalha com produtos orgânicos e percebemos que nos últimos cinco anos a venda vem crescendo 20% ao ano. Cresce e se solidifica”, esclarece Sandra. Vale ressaltar que em setembro de 2006 o Grupo Pão de Açúcar lançou a Taeq, uma marca voltada para o bem-estar do consumidor com uma linha de produtos relacionada a cinco pilares: nutrição, orgânico, esporte, casa e beleza. Além dos produtos, criou lojas onde vende exclusivamente esses produtos. São seis em São Paulo, uma em Fortaleza, outra em Brasília e uma recém-inaugurada no Rio.
Em suas 140 lojas - entre abertas e assinadas, incluindo uma franquia em Portugal - o Mundo Verde, rede especializada em produtos naturais e orgânicos, observa um crescimento de 25% ao ano na venda de orgânicos. Eles já representam 5% da receita e participam com 4% no mix da rede. Como não comercializa produtos in natura - exceto em duas de suas lojas localizadas no Rio e São Paulo - esse aumento é em produtos orgânicos processados.
Cerca de 10% dos produtos também são exportados. “Para divulgar as vantagens do alimento orgânico, investimos em ações educativas como consultoria de nutricionistas, informações em nosso site, treinamentos
e-learning e presenciais para nossos funcionários, além de participações em eventos voltados para a alimentação saudável”, afirma Jorge Antunes, sócio-fundador e diretor de compras do Mundo Verde.
Vinhos mais saborosos e cosméticos para os japonesesDois exemplos de produtores de orgânicos bem-sucedidos são a Vinícola Garibaldi e a Reserva Folio. Especialistas garantem que a uva orgânica contém maior valor nutritivo, aromas e sabores mais pronunciados. Razões que levaram a Vinícola Garibaldi, localizada na serra gaúcha, a produzir uma linha de produtos orgânicos denominada Da Casa. A linha é composta por um suco de uva das variedades Bordô e Isabel, um vinho tinto seco de mesa das mesmas variedades, um vinho branco seco de mesa de castas americanas e o único espumante orgânico do Brasil elaborado com a variedade Lorena, pelo processo Asti e um Malbec, elaborado em parceria com uma vinícola argentina.
Iniciada em 2001 com duas mil e 900 garrrafas, a produção soma hoje 280 mil garrafas e acumula um crescimento de 40% ao ano. Cerca de 70% da produção orgânica é proveniente de pequenas propriedades familiares. O presidente da vinícola, Oscar Ló, ressalta que por causa dos cuidados redobrados na produção, em uma safra os orgânicos tendem a serem superiores. “Os vinhos orgânicos expressam de maneira muito mais precisa o seu terroir (conjunto de aspectos da região onde é cultivada a uva e que influencia as características do vinho)”.
Japoneses e franceses são grandes consumidores dos cosméticos da Reserva Folio, a primeira empresa de cosméticos brasileira a receber a certificação de orgânica. Simone Valladares, proprietária da Reserva, vem de uma família que há mais de 30 anos atua na área de cosméticos naturais. Há quatro ela resolveu desenvolver produtos que usassem matéria-prima orgânica e criou a Reserva. Uniu responsabilidade ambiental e social com eficiência dermatológica.
Composta por uma coleção de produtos certificados - sabonetes, óleos, loções, cremes - aproveitando a rica biodiversidade brasileira - andioroba, cupuaçu, castanha do pará, própolis, mel - a Reserva Folio vende em sua própria loja em Nova Friburgo, região serrana do estado do Rio, e em lojas de produtos naturais de algumas capitais brasileiras. Além disso, exporta para o Japão e França. “Posso dizer que 20% do faturamento da Reserva vem da exportação”, fala Simone. “O perfil do nosso consumidor? Pessoas em busca de qualidade de vida”.
Os adeptosQualidade de vida é o que movia a atriz e poeta Claudia Alencar - atualmente no elenco da novela `Os Mutantes` da Rede Record - a ir longe comprar ovos e frangos caipiras para fugir dos frangos com hormônios. “Sempre fui preocupada com alimentação, interessada em nutrição. Eu me dava ao luxo de mandar buscar os ovos e os frangos num local distante no Rio, o que encarecia ainda mais a minha alimentação. Na época nem se falava em orgânicos. Era mais uma alimentação natural, saudável. Isso no início dos anos 1990. Mais tarde passei a comprar orgânicos. Os fornecedores também eram distantes e não havia muita variedade. Hoje as coisas estão bem melhores, pois já encontro orgânicos no supermercado. Mas o preço continua alto, eu diria proibitivo”.
Claudia espera que em breve tenhamos supermercados só de orgânicos, como nos Estados Unidos. “Na Califórnia encontrei até tinta de cabelo orgânica”, conta. Ela credita sua boa forma e vitalidade a alimentação. “Não sou radical, não me alimento só de orgânicos até porque isso seria quase impossível. Mas acredito sim que o fato de estar saudável e me sair sempre bem nos cheak-ups se devem em grande parte a alimentação que faço. Alimentação é uma questão de educação e deve ser ensinada na escola”.
Também atriz, Patrícia Werneck - que interpretou a personagem Camila na novela `Paraíso Tropical` da Rede Globo - aderiu à alimentação orgânica há cerca de um ano, depois que começou a comprar produtos entregues em casa.Para ela o maior ganho desse tipo de alimentação é a satisfação. “Os produtos orgânicos são infinitamente mais saborosos. Fora a certeza de estar consumindo produtos totalmente saudáveis”, fala. Acha que os brasileiros ainda carecem de informação a respeito e que seria ótimo se a consciência orgânica fosse inserida nas escolas e nos meios de comunicação.
Sua despensa é abastecida de produtos vindos da fazenda de outro ator, o amigo Marcos Palmeira, dono da Fazenda Vale das Palmeiras, em Teresópolis, estado do Rio. Marcos é um dos pioneiros no plantio de orgânicos e hoje sua fazenda é considerada um modelo agroecológico. Produz verduras, legumes, frutas, queijo, ricota e iogurtes que podem também ser encontrados nos supermercados do Rio.
A chef Flávia Quaresma, proprietária do Carême Bistrô - referência de culinária francesa no Rio - conta que sua aproximação dos produtos orgânicos começou por volta de 2002, 2003 quando foi convidada a participar de uma feira do setor, repetindo nos quatro anos seguintes. Abraçou a causa, o que não é nada difícil para uma cozinheira. “Cozinhar com produtos orgânicos é o resgate do sabor, é o alimento em seu melhor estado o que só beneficia o prato criado e agrada o cliente. Pensando de forma mais ampla, também estou fazendo a minha parte na preservação do planeta”.
Flávia lamenta que ainda não tenha no cardápio um prato 100% orgânico. “Houve um grande aumento da ofertas de produtos. Todas as folhas e ervas que uso são orgânicas, assim como frango, pato e algumas carnes. Esses dias um cliente comentou que eu deveria informar isso no cardápio, porque ajudaria na conscientização das pessoas. Achei a sugestão interessante, porque ainda falta aos orgânicos um bom trabalho de marketing”, analisa Flávia.
(Por Isabel Capaverde, Plurale,
Envolverde, 03/03/2009)