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transporte hidroviário
2009-03-03

Começam a ser divulgadas hoje à tarde na Fiergs as primeiras conclusões a que chegaram técnicos holandeses que estão mapeando nossa rede fluvial para fins de transporte de cargas, comitiva que inclui o ministro dos transportes daquele país. Isso começou quando uma missão gaúcha, formada por secretários de Estado e entidades empresariais, visitou, em 2008, o porto de Rotterdã e conheceu o trabalho que a Holanda faz em matéria de logística. Enfatize-se o fato de que cerca de 53% de todas as cargas da União Europeia passam pela Holanda, seus portos e modais diversos. Para um país que teve que expulsar o mar para ganhar território, é uma façanha ciclópica, digna de figurar nos 12 Trabalhos de Hércules. Sabemos nós, gaúchos, que no passado os rios e lagoas foram fundamentais para o desenvolvimento econômico e a integração entre as várias regiões. Tanto que temos até em Porto Alegre uma rua chamada Quatro Jacós, alusão aos pioneiros no transporte fluvial.

A necessidade de sinalização diurna e noturna, o aprofundamento do canal da lagoa dos Patos e de alguns rios, entre outros trabalhos básicos, são condição sine qua non para o êxito de projetos nesse sentido. O que os holandeses divulgarão é apenas a primeira parte de um ambicioso plano que visa acelerar a implementação de um modal hidroviário digno desse nome em plagas gaúchas. Mas, quando se fala em ambicioso, ressalta-se que ninguém está pensando em obras faraônicas ou que impliquem modificações profundas na natureza. Como disse Philippe Schulman, chefe do escritório da representação holandesa no Estado, a estratégia é não tentar agredir e nem mudar a natureza, mas sim aproveitá-la tal e qual ela se nos apresenta e se coloca à nossa disposição.

Portanto, nada de grandes barragens, eclusas ou outras obras, que de resto exigiriam uma tal montanha de recursos que a ideia de revitalizar as vias fluviais e lacustres simplesmente desapareceria. Aí surge a pergunta: mas não foi exatamente a falta de calado, o assoreamento dos leitos e de obras de infraestrutura portuária que acabaram por levar esse tipo de transporte ao nível mais baixo da nossa história? Sim e não. Se algumas obras são fundamentais, por outro lado a moderna tecnologia empregada nas embarcações exige muito menos profundidade, a par de uma mobilidade muito maior do que a que tinham os barcos dos quatro Jacós. E a Holanda é especialista em soluções simples e eficazes. Recorde-se que no passado houve tentativas fantasiosas de fazer uma super-hidrovia ligando a bacia do rio Ibicuí ao Jacuí, obra que exigiria um canal de 300 quilômetros e outras obras. Por incrível que pareça, um paladino dessa causa foi o Conde D'Eu ainda ao tempo do Império.

Infelizmente, pensamos e sepultamos o macro e não fomos capazes de construir o micro, utilizar o que for possível. O nó górdio é a questão cultural, a visão tanto empresarial quanto oficial de que trechos de apenas 100 quilômetros em rios justificam a opção pelos barcos. E isso, sabemos, é difícil mudar. Aliás, essa mesma cultura de alheamento dos rios é visível na questão do Guaíba. Não é o muro que separa a cidade do seu lago-rio, e sim nossa cultura terrestre. O que é lamentável, sem dúvida, mas o quadro é reversível desde que a sociedade e seus atores consigam se entusiasmar com essa perspectiva, olhar o Guaíba e seus afluentes com "olhos de olhar", como diz o povo na sua sabedoria, e não apenas ver nas águas imagens poéticas e estáticas. Há espaço para tudo isso e mais ainda, desde que esse projeto seja convenientemente divulgado e que atinja a quem deve atingir.

(Jornal do Comércio, 03/03/2009)


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