Os desafios da economia brasileira em 2009 são enormes diante do agravamento da crise financeira global: ampliar os investimentos em infraestrutura, gerar emprego e renda, evitar a deterioração das contas externas e das contas públicas, ampliar a competitividade da estrutura produtiva e, sobretudo, promover o desenvolvimento social. Sem prejuízo de outras ações e políticas ativas, a expansão da oferta de serviço e do investimento em saneamento básico pode contribuir de forma contundente para a consecução desses objetivos.
É sabido que o desempenho do setor de saneamento básico (SSB) no Brasil ainda se encontra muito aquém das necessidades e demandas sociais. Segundo informações do SNIS do Ministério das Cidades, construídas a partir das informações dos prestadores de serviços, o índice médio de atendimento urbano foi de 93,1% para água, 48,3% para coleta de esgotos e 32,2% para tratamento de esgotos em 2006, com elevada heterogeneidade e desigualdade regional.
A não inclusão de alguns pequenos municípios e da população rural distorce os indicadores de atendimento da amostra. De certo, há muito em que avançar para atingir padrões de cobertura de países desenvolvidos, sobretudo com relação à coleta e tratamento de esgoto.
No período 2003-2006 foram investidos R$ 15,6 bilhões no setor, o que permitiu um crescimento de 18% no número de ligações ativas, de 22,1% na extensão da rede e de 13% no volume de água produzida, algo em torno de 14 bilhões de m3 de água. O SSB empregava diretamente 125 mil pessoas e mais 56 mil terceirizados em 2006.
Estudo recente da Unicamp estimou, a partir da metodologia da matriz de insumo-produto, os impactos da expansão da produção e dos investimentos no SSB sobre a demanda intersetorial e a geração de renda e emprego na economia brasileira.
Embora o SSB represente apenas 0,59% do PIB brasileiro, sua capacidade de encadeamento produtivo e de geração de renda e emprego dentro e fora do setor é bastante elevada.
Tomando por base um valor da produção setorial de R$ 20 bilhões (valores de 2007), dos quais R$ 10,5 bilhões destinados à demanda final e R$ 9,5 bilhões à demanda intermediária, cada elevação de 1% na demanda final por saneamento básico promoveria, em termos de impactos diretos e indiretos, a geração de 1.450 empregos, distribuídos em 45% no próprio setor e 55% nos demais setores da economia, com destaque para serviços de engenharia e construção civil, eletricidade, serviços de informação, produtos químicos, intermediação financeira e comércio.
Importante registrar que o crescimento médio do setor de saneamento foi superior a 4% ao ano no período 2003-2006, patamar mínimo que podemos assumir para o período mais recente e para as projeções futuras de crescimento, dada a expansão da economia no período 2007-08 e dos próprios investimentos recentes no setor.
Além dos impactos da expansão da produção, podemos adicionar um efeito multiplicador muito maior sobre a economia propiciado pelos investimentos no SSB. A título de ilustração, para cada R$ 1 bilhão de investimento no setor teríamos:
- Um aumento de R$ 1,68 bilhão no valor da produção da economia, com destaque para os setores de engenharia e construção civil, serviços prestados à empresa, comércio, bens de capital, metalurgia de ferrosos e não ferrosos; borracha e plásticos;
- Uma expansão de R$ 245 milhões da massa salarial, de R$ 355 milhões do excedente operacional bruto (proxy de lucro) e de R$ 139 milhões em impostos diretos e indiretos;
- A geração de 42 mil novos empregos diretos e indiretos em toda cadeia produtiva.
Importante destacar que o perfil da demanda associada à expansão da produção e do investimento em saneamento básico apresenta baixo impacto sobre as importações. As estimativas oficiais indicavam, antes da crise financeira internacional, investimentos da ordem de R$ 48 bilhões para o período 2008-11, o que representaria triplicar a taxa anual de investimento no setor.
Ainda que os prazos e velocidades de vários projetos sejam revistos em função da crise global, não há porque projetar uma drástica redução nos investimentos. Primeiro, porque quase metade dos investimentos tem sido financiada com recursos próprios das prestadoras de serviços, cujas receitas deverão ser pouco afetadas, dada a baixa elasticidade renda da demanda. Segundo, o setor conta com recursos do FGTS e crescentemente com recursos adicionais do BNDES para complementar o financiamento dos novos projetos.
Terceiro, o SSB tem apresentado uma margem operacional líquida média superior a 20%, (e superior a 30% sem depreciação), o que tenderá atrair novos investidores/operadores, inclusive estrangeiros, num quadro de custos de oportunidades decrescentes. Por último, dados os elevados prazos de maturação dos projetos no setor, as decisões de investimento se pautam por um horizonte de planejamento de médio e longo prazos, portanto menos sujeitas às oscilações conjunturais.
Nesse sentido, a manutenção ou mesmo ampliação dos fluxos atuais de investimentos no SSB tem uma dimensão mais política e institucional que financeira. A rigor, deveria ser tratada como uma política estratégica de Estado, acima de questões partidárias/eleitorais, de divergências entre as esferas de governo municipal, estadual e federal e dessas com as operadoras públicas e privadas.
A convergência de esforços das políticas públicas e das estratégias empresariais para a realização, no próximo quinquênio, de investimentos setoriais em um patamar mínimo de R$ 10 bilhões anuais teria fortes efeitos multiplicadores sobre toda a cadeia produtiva com a criação, no médio prazo, de mais de 2 milhões de postos de trabalho.
Portanto, os investimentos no SSB, além de atender às prementes demandas sociais, ambientais e de saúde pública, ampliando o acesso de parte significativa da população brasileira a serviços de saneamento básico, têm também suma importância na geração de emprego, renda e tributos, o que, por sua vez, confere ao SSB um papel protagonista nas políticas e ações anticíclicas e de enfrentamento dos impactos domésticos da crise financeira global.
(Por Fernando Sarti,
Valor Econômico, 03/03/2009)
* Fernando Sarti é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do NEIT-IE-Unicamp