O governo vai propor ao Congresso uma emenda constitucional autorizando os municípios a criar uma nova contribuição, a Care, com finalidade específica de custear a revitalização econômica de áreas urbanas centrais degradadas. Em busca de apoio político e de sugestões de aperfeiçoamento, antes de ser encaminhada a deputados e senadores a minuta da PEC será apresentada e discutida pelo Ministério das Cidades, amanhã, em Brasília, em reunião com prefeitos de capitais e de demais cidades de regiões metropolitanas, informou ao Valor o coordenador de programas de revitalização urbana do ministério, Renato Balbim.
Embora implique aumento de tributação, a criação da Care dificilmente terá oposição do setor privado, porque foi ideia da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). Pela proposta, as prefeituras só poderiam instituir e cobrar o novo tributo mediante pedido dos próprios contribuintes que vão pagá-lo, isto é, os donos de imóveis não-residenciais interessados em bancar a revitalização de determinada área da cidade.
Segundo Maria Silvia Marques, vice-presidente da ACRJ, as empresas preferem pagar mais um tributo a ver o patrimônio imobiliário se desvalorizar e a clientela escassear por causa das limitações fiscais do poder público de manter segurança e limpeza em níveis adequados em locais onde estão sedes de grandes companhias. Como os serviços públicos são insuficientes, algumas áreas centrais acabam sendo tomadas por sujeira (incluindo urina e fezes), pichações, criminalidade e moradores de rua, espantando as pessoas à noite.
Mesmo em horário comercial, só passa nessas áreas, em geral, quem precisa passar. Além de desvalorizar os imóveis, a degradação empurra atividades econômicas para outros locais das cidades e impede que potenciais atrações culturais , como antiguidades arquitetônicas, possam ser melhor aproveitadas pelos cidadãos.
Junto com a minuta do projeto de emenda constitucional, os prefeitos receberão um anteprojeto de lei complementar, regulamentando a mudança constitucional pretendida, acrescentou Balbim. A minuta e o anteprojeto de lei são inspirados nos textos produzidos pela ACRJ, mas o governo entende que os textos carecem de aperfeiçoamentos e vai fazê-los antes de apresentá-lo ao Legislativo. Balbim reconhece, por outro lado, que a proposta deve prevalecer na sua essência.
Entre os prefeitos que tomaram posse este ano, Eduardo Paes (PMDB), do Rio de Janeiro, é um principais defensores da proposta. Como aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pediu que o governo federal encampasse o projeto para viabilizar uma promessa de campanha: a revitalização da avenida Chile, no centro do Rio, onde estão sedes da Petrobras e do BNDES e prédios antigos com potencial de atração turística.
Maria Silvia conta que o projeto de revitalização da avenida Chile envolve, por exemplo, construção de banheiros públicos com constante vigilância e limpeza, retirada de pichações de paredes e muros, varrição e coleta adicional de lixo e sinalização de rua. Também é preciso pensar, segundo ela, em recuperação de moradores de rua, para tirá-los dessa condição. Uma forma de fazer isso seria treinando-os e engajando-os no projeto, como vigilantes (não-armados), uniformizados e dotados de equipamentos de radiocomunicação com a polícia para tranquilizar os cidadãos. Eles também podem ser transformados em prestadores de informações turísticas ou de informações aos transeuntes.
Se prevalecer o o conteúdo principal do projeto da Associação Comercial do Rio de Janeiro, a Care terá como fato gerador propriedade, domínio ou posse de imóveis não-residenciais, localizados em áreas urbanas delimitadas geograficamente com objetivo específico de serem revitalizadas econômica e urbanisticamente (AREs). A base de cálculo deverá ser o valor do IPTU. A alíquota máxima será de 5%, podendo ser menor, a critério dos contribuintes, que vão defini-la.
Caberá exclusivamente às organizações privadas de revitalização econômica - as Opres, modalidade de organização sem fins lucrativos criada pelo mesmo projeto de lei - propor às prefeituras criação de AREs. Essas áreas poderão ser criadas a partir de projeto definindo previamente obras e serviços e serem implementados e mantidos. O tempo de duração e o custo total, rateado proporcionalmente de acordo com o valor venal dos imóveis, também serão definidos pelos proprietários, que serão, em última instância, os integrantes das Opres.
Antes de pedir a revitalização de uma área à prefeitura, os proprietários terão que se organizar juridicamente numa Opre, organização que será responsável direta pela contratação de obras e serviços suplementares aos serviços públicos na respectiva ARE. Para evitar que os recursos se misturem aos orçamentos públicos, as prefeituras só vão cadastrar os contribuintes da Care, emitir o documento de cobrança e ficar com uma pequena parcela, a título de administração do tributo. Descontada essa taxa, o dinheiro da Care será repassado pelos bancos diretamente às Opres.
Para formar uma Opre, bastará a maioria do número de proprietários ou do valor venal dos imóveis. Uma vez definida a organização e aprovado o projeto de uma nova ARE, para esse conjunto específico de proprietários, cujos imóveis estão na área beneficiada, a Care será obrigatória e seu não-pagamento gerará inscrição em dívida ativa.
"Isso evita os caronas", afirma Maria Silvia. A cada três ou quatro anos anos, no entanto, esses proprietários vão poder definir se querem ou não continuar com o projeto. Na hipótese de os proprietários optarem pela extinção da Opre e da ARE, automaticamente se extingue também a cobrança da Care para aquele grupo específico de donos dos imóveis.
Conforme a Associação Comercial do Rio de Janeiro, as Opres serão um novo tipo de parceria-público privada, juridicamente bem diferente das conhecidas PPPs, já previstas na legislação brasileira. A ideia se inspira em experiências bem-sucedias em cidades do Canadá, Estados Unidos e África, que conseguiram revitalizar áreas antes evitadas pelo público, a ponto de multiplicar, em poucos anos, em alguns casos, o número de bares e cafés ao ar livre.
(Por Mônica Izaguirre,
Valor Econômico, 03/03/2009)