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guerra e meio ambiente
2009-03-02
Imagine um exército de mercenários armados de fuzis e granadas cruzando as matas do Parque Nacional do Iguaçu (PR), expulsando qualquer turista que ousasse ver as belas cataratas e atirando nas onças-pintadas, muriquis e outras espécies raras que vivem nos arvoredos da floresta tropical. O cenário parece improvável, mas conflitos armados em reservas importantes e em ecossistemas ameaçados como a Mata Atlântica são mais comuns do que se poderia supor. Isso é o que mostra um estudo publicado na última edição do períodico ciêntico Conservation Biology.

De autoria de pesquisadores da Universidade de Idaho (Estados Unidos) e das organizações não-governamentais Conservation International, BirdLife e União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês) , o artigo “Guerra e os Hotspots de Biodiversidade” revela que, entre 1950 e 2000, oito em dez guerras ocorreram ou afetaram áreas de extrema riqueza biológica. Para chegarem a esta conclusão, os autores cruzaram dados da localização de todos os conflitos com mais de 1.000 fatalidades (146 conflitos) com os chamados hotspots, áreas com alto índice de espécies únicas de animais e plantas (veja quadro abaixo). Eles também apontaram que apenas 11 de 34 hotspots não sofrerem qualquer influência das guerras nestes anos.

Os impactos negativos sobre a biodiversidade nos períodos de instabilidade são gritantes. As ameaças variam desde a degradação direta de florestas, como foi o caso das matas do Vietnã danificadas pelos bombardeios de Napalm, até a desestabilização completa de políticas de conservação. “Os limites das áreas protegidas perdem efetividade nesse contexto [de guerra], normalmente resultando na evacuação da equipe de campo e na suspensão das  atividades de conservação”, sustenta um dos trechos do artigo.  

Talvez o caso mais emblemático da relação entre guerra e biodiversidade seja o das florestas de altitude da África Oriental, um hotspot que foi palco de diversos conflitos, inclusive a recente incursão do Exército de Resistência do Senhor na República Democrática do Congo. No ecossistema, de acordo com o artigo, a população de mamíferos foi quase totalmente dizimada nos períodos de guerra. O Parque Nacional de Virunga, por exemplo, na fronteira com o Congo, Uganda e Ruanda, perdeu 95% de seus hipopótamos (Hippopotamus amphibius). Já o elefante de Uganda (Loxodonta africana), teve toda sua população extinta nos anos 1970.

O principal autor de “Guerras e os Hotspots de Biodiversidade”, o pesquisador Thor Hanson, do grupo de estudos de Ecossistemas Humanos da Universidade de Idaho, trabalhou por quase três anos com gorilas de montanha na região de Virunga. Foi o que ele presenciou no local que o inspirou a pesquisar a fundo os impactos da beligerância sobre o meio ambiente. “Eu percebi ali quão frágeis eram os esforços para conservação em um momento de instabilidade política”, disse em entrevista por telefone a O Eco.

Segundo ele, quando os dados para o artigo começaram a ser levantados, já havia a hipótese de que  os conflitos estavam afetando ecossistemas ameaçados. No entanto, o que surpreendeu foi a descoberta de que guerras em ambientes prístinos e de riqueza biológica são uma regra e não uma exceção. De acordo com artigo, a média de conflitos nos hotspots foi de 20 por década desde os anos 1950, e não há indicação de que isso mudará neste novo século, afirma Hanson. Basta olhar os casos recentes de extremismo no Congo, Sri Lanka ou Cáucaso.

Nas florestas brasileiras
O Brasil, apesar de registrar nas fronhas de seu principal hotspot, a Mata Atlântica, taxas de violência urbana que causam mais mortes do que a Guerra no Iraque, não figurou entre os países conflituosos dos últimos 50 anos. Hanson explica que a definição de guerra é algo complicado mesmo entre os especialistas do tema. Ele, no entanto, vê a ligação entre beligerância e florestas tropicais como algo que deve ser melhor investigado.

Nas guerras que atingiram os oásis de biodiversidade, as matas tropicais foram usadas muitas vezes como refúgio de guerrilhas ou de etnias perseguidas. O exemplo dos conflitos na África Oriental é mais uma vez marcante: acuados por exércitos genocidas, refugiados não tiveram opção em determinado momento a não ser matar gorilas e outros animais para comer, ou ainda extrair lenha para aquecimento e moradia. Com exceção de “zonas estreitas” em parques como o Kahuzi-Biega, no Congo, que ainda preservam espécies raras, em especial o gorila de Grauers (Gorilla beringei graueri) “operações controladas pelos rebeldes, como mineração, desmatamento e caça, têm progredido sem oposição ao longo dos anos, devastando os recursos do parque”, revela o artigo.

Mas as florestas não são apenas um meio de sobrevivência para refugiados e soldados esfomeados. Também são uma ótima poupança para financiar a compra de armas. Thor Hanson e seus colegas lembraram em seu artigo o caso da Libéria, no costa ocidental da África, onde a exploração madeireira e a mineração de diamantes armaram rebeldes até os dentes, detonando uma sangrenta guerra civil. A organização não-governamental com base no Reino Unido Global Witness (Testemunha Global) acompanhou diversos exemplos onde os recursos naturais não sofrem as conseqüências da guerra, mas estão entre as causas dela. Um dos fundadores da entidade, Patrick Alley, em conversa recente com O Eco, afirmou que há realmente um padrão de países ricos em recursos naturais serem vítimas de guerras e corrupção. “É o que chamo de maldição dos recursos”, frisou.

Efeitos indiretos
De acordo com o artigo de Hanson, muitos dos efeitos indiretos causados pelas guerras são mais intensos. As Guerras do Iraque e do Afeganistão, por exemplo, mesmo não tendo afetado hotspots diretamente, ajudaram a reduzir os investimentos e a conservação nos Estados Unidos. O corte recente ao Departamento Florestal Americano foi de 8% e o orçamento para os parques nacionais caiu 11%, em três anos.

No entanto nem todos os efeitos indiretos são negativos. As guerras, por incrível que possa parecer, podem ser benéficas ao meio ambiente. O exemplo mais conhecido deste “efeito colateral” é a zona desmilitarizada entre Coréia do Sul e Coréia do Norte, criada deste a guerra da década de 50. Com uma largura de 4 quilômetros ao longo de toda a fronteira entre os dois países, este local tornou-se refúgio de aves raras e ali houve  recuperação considerável de plantas. Zonas desmilitarizadas e parques transfronteiriços também foram criados entre Índia e Paquistão, Irã e Iraque, e até na Amazônia.

Além disso, ainda olhando para os benefícios da guerra, os autores afirmam que “a redução de atividades econômicas durante o tempo de guerra pode causar a recuperação de determinados recursos explorados (...) Estoques de lingüado no Mar do Norte saltaram dramaticamente depois da redução na pesca comercial na Primeira e Segunda Grande Guerra”.

Por isso, a principal recomendação deixada pelos autores de “Guerra e os Hotspots de Biodiversidade” é de que os projetos de conservação devem continuar mesmo em tempos de guerra, uma vez que os conflitos estão ocorrendo nos locais de maior biodiversidade, em todo planeta. Organizações não-governamentais devem manter seus times em campo, pois eles poderão ser essenciais no período de recuperação pós-Guerra.“Existem oportunidades nestes períodos de exceção e provavelmente são oportunidades muito breves. Mas as organizações precisam estar atentas a elas”, pondera Hanson.    

(O Eco, 27/02/2009)

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