Estudo aponta que mais de 80% dos principais conflitos entre 1950 e 2000 aconteceram em hotspots, regiões consideradas prioritárias para conservação.
Um novo estudo publicado na revista científica Conservation Biology concluiu que mais de 80% dos principais conflitos armados do mundo entre 1950 e 2000 aconteceram nas regiões mais ricas em diversidade biológica e mais ameaçadas do nosso planeta. Intitulado Guerra nos Hotspots de Biodiversidade, o estudo foi conduzido por um grupo de proeminentes cientistas internacionais da área de conservação e traz uma comparação das principais zonas de conflito com os 34 hotspots de biodiversidade identificados pela ONG Conservação Internacional (CI).
Um hotspot (http://www.biodiversityhotspots.org) é definido como uma área prioritária para conservação, isto é, região de alta biodiversidade e ameaçada no mais alto grau. Os 34 hotspots mundiais abrigam mais da metade de todas as espécies de plantas do planeta, além de pelo menos 42% de todos os vertebrados.
Essa conclusão surpreendente de que os principais redutos de vida na Terra também são as regiões de maior conflito humano nos diz que essas áreas são essenciais tanto para a conservação da biodiversidade quanto para o bem-estar humano, afirma o presidente da Conservação Internacional e um dos autores do estudo, Russell A. Mittermeier.
Milhões das pessoas mais pobres no mundo vivem nos hotspots e dependem de ecossistemas saudáveis para sobreviver. Portanto, existe uma obrigação moral, assim como uma responsabilidade social e política, de proteger esses lugares e todos os recursos e serviços que eles provêem.
Segundo o estudo, mais de 90% dos principais conflitos armados (definidos como aqueles resultantes em mais de mil mortes) aconteceram em países que abrigam um dos 34 hotspots de biodiversidade, ao passo que 81% ocorreram na região específica dos hotspots. Ao todo, 23 hotspots foram alvos de conflitos durante os 50 anos avaliados na pesquisa.
Guerra do Vietnã
Alguns exemplos da conexão entre natureza e conflito incluem a Guerra do Vietnã, quando o venenoso Agente Laranja destruiu a cobertura florestal e os mangues costeiros, e a extração de madeira que ajudou a financiar guerras na Libéria, Camboja e República Democrática do Congo. Nesses e em outros inúmeros casos, o efeito colateral da guerra teve impacto negativo na riqueza biológica e na capacidade das pessoas de viverem dela.
A pressão sobre os recursos naturais é ainda mais intensificada com os inúmeros refugiados de guerra, que precisam caçar, coletar lenha ou construir acampamentos para sobreviver. Mais armas significam mais caça ilegal de animais selvagens, como os 95% de hipopótamos que foram aniquilados no Parque Nacional de Virunga, na República Democrática do Congo.
As consequências vão muito além do conflito em si, aponta o principal autor do estudo, Thor Hanson, da Universidade de Idaho. As atividades realizadas com preparativos para a guerra e aquelas pós-conflito também têm implicações importantes para os hotspots de biodiversidade e as pessoas que vivem lá.
Os hotspots abrigam a maior parte do grupo de 1,2 bilhão de pessoas mais pobres do mundo, que dependem dos recursos e serviços prestados pelos ecossistemas naturais para a sua sobrevivência diária. A preocupação com o meio ambiente tende a diminuir em épocas de distúrbios sociais, chegando muitas vezes a serem suspensas durante o conflito. Ao mesmo tempo, a guerra fornece oportunidades ocasionais de conservação, como a criação dos chamados parques de paz em regiões fronteiriças sob disputa.
O fato de que tantos conflitos ocorreram em áreas de elevadas perdas da biodiversidade e degradação dos recursos naturais serve como motivo para futuras pesquisas quanto às suas causas e ressalta a importância dessas áreas para a segurança mundial, alerta Mittermeier.
Estratégias de conservação
A conclusão do estudo é a de que os grupos internacionais de conservação (e a comunidade internacional como um todo) devem desenvolver e manter programas em regiões abaladas pela guerra se quiserem ser eficazes na conservação da biodiversidade mundial e manter os ecossistemas saudáveis. Os resultados do trabalho também indicam que é necessário integrar princípios e estratégias de conservação em programas militares, humanitários e de reconstrução de zonas de conflito.
Nós encorajamos o apoio aos conservacionistas locais e às equipes de áreas protegidas durante períodos de conflito, mas de maneira alguma sugerimos colocar as pessoas em perigo de forma intencional, informa o estudo. Frequentemente, as equipes locais ficam nas áreas de conflito justamente porque aí estão suas casas, o que faz com que a manutenção do apoio a elas seja tanto um imperativo ético quanto uma boa estratégia de conservação.
Os autores do estudo são Mittermeier; Hanson e Gary Machlis, da Universidade de Idaho; Thomas Brooks, do Centro para Ciência Aplicada à Biodiversidade (CABS) da CI; Gustavo Fonseca, do Global Environment Facility e da Universidade Federal de Minas Gerais; Michael Hoffmann, da Unidade de Avaliação de Biodiversidade da União Mundial para a Natureza (IUCN, da sigla em inglês) e CABS/CI; John F. Lamoreux, da Universidade Texas A&M; Cristina Mittermeier, da Liga Internacional dos Fotógrafos de Conservação; e John D. Pilgrim, da Birdlife International.
(Envolverde/Conservation International do Brasil, 28/02/2009)