Não é segredo que o país está sujando sua matriz energética, ao diminuir a participação de fontes renováveis (como usinas hidrelétricas) em favor de combustíveis fósseis (termelétricas a gás, óleo e até carvão). Queimar mais combustíveis fósseis significa emitir mais gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), que contribuem para o aquecimento global.
A realidade é ainda mais grave: o Brasil também vai mal noutro indicador importante, o da intensidade carbônica da economia, ou quantidade de gases do efeito estufa emitida para produzir cada unidade de PIB. Mal, não, pior, pois entre as grandes economias somos a única que não melhorou na capacidade de gerar riqueza sem sujar a atmosfera.
Os dados estão no relatório "A Global Green New Deal" (um "New Deal" verde global), do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, para o qual chama atenção o economista José Eli da Veiga. O texto pode ser
baixado da internet.
Na pág. 106 há uma tabela com os dez principais emissores de gases do efeito estufa e as respectivas intensidades carbônicas em 1990 e 2005, medidas em toneladas de CO2 por milhão de dólares de PIB. Por toda parte está diminuindo a contribuição para o efeito estufa -menos por aqui.
O Brasil (641 t/US$ milhão) fica perto da média mundial (689), mas não progride desde 1990, quando marcava 638. É a ovelha carbonizada do planeta, já que todos os grupos melhoraram, dos dez maiores emissores (29%) ao restante do mundo (13%) e à média mundial (22%).
Não se iluda concluindo que a culpa é do desmatamento, porque a tabela exclui "mudança do uso da terra", jargão da burocracia climática para a conversão de florestas em áreas agrícolas. O problema está na produção de energia, mesmo. Nada a estranhar, num país em que o presidente e sua pré-candidata encaram o petróleo (do pré-sal) como signo do futuro.
Nessa matéria, convivemos também com os fantasmas do passado. Não tenho competência nem paciência para demolir o artigo "Ninguém sabe", de José Carlos Azevedo, publicado na seção Tendências/Debates da Folha numa apropriada quarta-feira de cinzas. Mas estranhei a citação de K. Trenberth, identificado como meteorologista do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática): "Não há previsões climáticas feitas pelo IPCC. E nunca houve".
Pareceu contraditório que um membro do IPCC negasse a mudança climática previsível pelo acúmulo de gases do efeito estufa, argumento central de Azevedo. Fui atrás do artigo e as duas frases de fato estão
lá, ainda que para explicar as limitações dos cenários criados pelo IPCC, e não para invalidá-los.
Encontrei no texto de Kevin Trenberth outro trecho, porém, que traduzo para o leitor julgar se foi honesto o uso da fonte: "O relatório do IPCC deixa claro que estamos comprometidos no futuro, de maneira substancial, com mais mudança climática, mesmo se pudermos estabilizar concentrações atmosféricas de gases do efeito estufa.
E esse comprometimento é ainda maior, pois o melhor que podemos esperar no curto prazo, realisticamente, é talvez estabilizar emissões, o que significa aumento das concentrações de gases perenes do efeito estufa, indefinidamente, futuro adentro.
Portanto, a mudança climática futura está garantida".
(Por Marcelo Leite,
Folha de S. Paulo, 01/03/2009)
* Marcelo Leite é autor da coletânea de colunas "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e do livro de ficção infanto-juvenil "Fogo Verde" (Editora Ática, 2009), sobre biocombustíveis e florestas.