Delegados de vários países buscarão no México avançar na definição de um esquivo regime internacional de responsabilidade e compensação por possíveis danos derivados do movimento transfronteiriço de transgênicos. Durante esta semana, cerca de 30 representantes da América Latina, África, Ásia e Europa debatem como aplicar o artigo 27 sobre responsabilidade e compensação do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da Biotecnologia, vigente desde 2003. Encontros com o mesmo propósito na Malásia, em 2004, e na Alemanha, no ano passado, acabaram sem acordo.
O Protocolo de Cartagena, que tem a adesão de 153 países, tem por objetivo contribuir para garantir um nível adequado de proteção na transferência, manipulação e utilização seguras dos organismos vivos modificados, segundo seu texto. Porém, Argentina, Estados Unidos e Canadá, líderes em cultivos transgênicos, fazem parte desse pacto. Os transgênicos são variedades obtidas em laboratório mediante introdução de genes de outras espécies, animais ou vegetais, com o propósito de melhorar suas características, o rendimento ou resistência a fatores externos.
Temos na semana uma negociação crucial, na qual confiamos, disse à IPS a coordenadora da campanha de agricultura sustentável e transgênicos da organização Greenpeace no México, Aleira Lara. Sem um regime de responsabilidade e compensação pelos efeitos dos transgênicos, o Protocolo de Cartagena enfraquece, afirmou. Este documento é um tratado complementar do Convenio sobre a Diversidade biológica. Foi adotado para proteger a biodiversidade dos potenciais riscos dos transgênicos e estabelece o procedimento para aceitação informada, para que os países recebam a informação necessária antes de adotar decisões, e o principio precautório, que permite suspender atividades cuja inocuidade não tenha sido amplamente provada.
Greenpeace, Amigos da Terra Internacional e o Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração estão presentes no México como observadores. Também há representantes das empresas de biotecnologia, dedicadas ao desenvolvimento e à produção de sementes transgênicas. Pelas normas da conferência, os observadores devem se retirar dos debates quando os participantes assim solicitarem. A presença dos meios de comunicação não é permitida, o que é uma lástima, disse Lara. Em torno da sede do encontro (um edifício da chancelaria mexicana na capital) o Greenpeace realizará algumas de suas chamativas e tradicionais manifestações contra os transgênicos. Será uma surpresa, disse Lara.
Nas negociações do regime de responsabilidade sobre movimentos de transgênicos jogam governos e interesses e posições de poderosos laboratórios multinacionais dedicados a produzir, promover e vender sementes transgênicas. Também participam organizações ambientalistas e camponesas e experientes ativistas, que em alguns casos inclusive opõem-se à experimentação com transgênicos, alegando que a ciência ainda não provou de modo concludente que são inócuos para a saúde humana e o meio ambiente.
As empresas lutam para serem as autoridades nacionais, de forma administrativa, as responsáveis por resolverem eventuais responsabilidades e compensações de danos causados pelo movimento de transgênicos. A pesquisa deveria ser feita em conjunto com os atores privados e, se houver motivos para sanções, esta não implique proibir o acesso dos produtores aos transgênicos. Os ambientalistas, por sua vez, buscam uma norma universal e obrigatória para os responsáveis pelos danos que potencialmente causarem. Vários países do Sul em desenvolvimento apóiam esta postura.
Se na conferência do México, do chamado grupo de apoio, for conseguido um acordo, este será submetido a todos os países que ratificaram o Protocolo de Cartagena, em uma reunião que realizarão no Japão em 2010. Para Lara, este instrumento demonstrou ser insuficiente diante do avanço dos transgênicos no mundo, incentivado pelo poder de firmas transnacionais que patenteiam sementes modificadas que desenvolvem. As empresas negam terminantemente os supostos riscos desta tecnologia e dizem que as sementes manipuladas para serem mais resistentes a pragas ou secas, ou para amadurecerem mais rapidamente, podem ser a solução para a fome de milhões de pessoas no mundo.
Até agora não há estudos concludentes sobre os perigos dos também chamados organismos geneticamente modificados. Mas, a área cultivada com estas variedades vegetais não para de crescer em todo o mundo. Entre 1996 - quando começou o cultivo comercial de transgênicos - e 2008, a superfície cultivada passou para 125 milhões de hectares. Há 13 anos, seis países começaram este tipo de plantação e hoje são 25, segundo o Serviço Internacional para as Aquisições de Aplicações Agrobiotecnológicas (ISAAA), entidade sem fins lucrativos criada pela indústria para promover os transgênicos.
O ISAAA calcula que existam 13,3 milhões de agricultores plantando transgênicos, 53% deles dedicados às soja e 30% ao milho. A grande maioria dessa produção se sustenta em sementes fabricadas e vendidas pela gigante norte-americana do setor, a Monsanto. A liderança mundial em transgênicos tem, pela ordem, Estados Unidos, Argentina, Brasil, Canadá e China. Deste grupo, o Brasil é o único que ratificou o Protocolo de Cartagena.
Segundo a Global Industry Coalition, que reúne as empresas de biotecnologia do mundo, não há registros de incidentes nem preocupações pelo transporte transfronteiriço de transgênicos, afirma o documento Opiniões dos usuários e promotores da biotecnologia sobre questões de aplicação do Protocolo de Cartagena, de abril de 2008. De todo modo, as empresas asseguram que apóiam plenamente as negociações para definir um regime de responsabilidade e compensação no contexto do Protocolo de Cartagena.
(Por Diego Cevallos, da IPS/Envolverde, 25/02/2009)