O navio oceanográfico alemão Polarstern, um dos mais famosos do mundo, executa a maior experiência de fertilização de águas marinhas com ferro para absorver dióxido de carbono, um dos causadores do aquecimento global. O experimento, que acontece a nordeste das austrais Ilhas Geórgia do Sul, no Oceano Atlântico, busca promover o crescimento de fitoplâncton e a conseqüente absorção de carbono, por meio da colocação de 20 toneladas de sulfato de ferro em um raio de 300 quilômetros quadrados.
O ferro induz a proliferação de algas e estas absorvem dióxido de carbono, (CO²) da água durante a fotossíntese. Como o CO² dissolvido na superfície do oceano está em equilíbrio com a atmosfera, o déficit é compensado com a captação de carbono do ar. Então, enriquecer as águas com ferro pode se converter em um modo de combater o aquecimento global, afirmam os responsáveis pela experiência. Por outro lado, os ambientalistas não compartilham da idéia e alertam sobre como podem ser imprevisíveis as consequências da experëncia, agora imersa em uma polêmica de dimensão internacional.
“A absorção de dióxido de carbono por meio da ativação do crescimento de algas no mar não é um método efetivo contra a mudança climática e, além disso, apresenta graves riscos ambientais. O mar pode se converter em um biorreator”, disse ao Terramérica Stephan Lutter, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Também questionaram o fato de os esforços se dirigirem a absorver o dióxido de carbono e não a reduzir sua produção. “Uma conseqüência deste tipo de projetos de risco pode ser a falta de meios financeiros em outros lugares para pesquisas razoáveis de economia de energia, para a obtenção de energia renovável e para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa”, disse Lutter.
No entanto, os pesquisadores responsáveis pelo estudo se mostram surpresos pela “intensidade” das críticas. “O objetivo de nossa experiência é manipular um ponto do oceano em seu contexto natural para entender e quantificar os processos que caracterizam os ecossistemas oceânicos”, explicou ao Terramérica o professor Ulrich Bathmann, do Instituto Alfred Wegener para a Pesquisa Polar e Marinha, responsável pelo projeto junto com o Instituto Nacional de Oceanografia da Índia. A pesquisa “mostrará como reage o plâncton à entrada de ferro, que quantidade de fitoplâncton se forma, que quantidade de dióxido de carbono é fixada – absorvida -, que porcentagem do carbono permanece no sistema e quanto do carbono afunda nas profundezas do oceano”, acrescentou Bathmann.
Por sua vez, a chancelaria da Argentina se mostrou preocupada com a experiência e pediu explicações à representação alemã no país, já que, embora aconteça em águas internacionais, suas consequências poderiam afetar o mar argentino. As organizações ambientalistas afirmam que o teste vai contra a normativa internacional. De fato, a Nona Conferência das Partes do Convënio sobre a Diversidade Biológica, realizada de 19 a 30 de maio de 2008 em Bonn, teve pronunciamentos críticos a respeito deste tipo de iniciativa.
“A Conferência tomou posição clara contra as atividades de fertilização artificial das áreas marítimas com o propósito de absorção de dióxido de carbono. A razão é que os cientistas temem graves impactos negativos para o meio ambiente marítimo”, pode-se ler no site oficial do Ministério do Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear da Alemanha. Mas, no dia 26 de janeiro as autoridades alemãs deram luz verde à experiência batizada de Lohafex (“loha” significa ferro em hindi). E assim, 49 cientistas, a maioria de indianos e alemães, mas também italianos, espanhóis, ingleses, um francês e um chileno, deram início à planejada fertilização com ferro das águas atlânticas. Naquele momento, já estavam a bordo do quebra-gelo há 20 dias, aguardando a autorização.
“O experimento caminha bem. A fertilização aconteceu em um redemoinho oceânico fechado. O fitoplâncton cresce e a biomassa mais do que duplicou”, disse ao Terramérica Bathmann, encarregado de controlar em terra a experiência. Nos últimos 15 anos, a captura de carbono oceânico foi provada com fins científicos em uma dezena de pequenas experiências, cinco delas no Oceano Antártico. Em 2007, entretanto, a empresa norte-americana Planktos precisou desistir de seus planos de fertilização com ferro em águas equatorianas próximas das Ilhas Galápagos, no Pacífico, devido à firme oposição de ambientalistas e autoridades da região.
Com a operação, a firma pretendia negociar no mercado global de créditos de carbono, contemplado no Protocolo de Kyoto sobre mudança climática. Os responsáveis pela Lohafez, por sua vez, descartam qualquer intenção comercial. Apesar disso, as associações de ecologistas veem sérios riscos nessa atividade. “Existe o perigo de empresas interessadas tentarem vender a fertilização com ferro como medida contra o aquecimento global, e incluí-la no mercado mundial de emissões”, afirma a organização ambientalista Conferência Ação para o Mar do Norte.
“Trata-se de um plano megalomaníaco dos pesquisadores. O pano de fundo é o interesse econômico para encontrar uma solução de baixo custo para o problema mundial do dióxido de carbono”, diz a organização em seus comunicados sobre o assunto. Contudo, e de acordo com o plano original, o Polarstern dará por concluído o experimento em 17 de março, quando chegar ao litoral de Punta Arenas, no sul do Chile, com a polêmica desatada às costas.
(Por Maricel Drazer, Envolverde, 23/02/2009)