Todo mundo sabe que a Colômbia é a terra das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e de Ingrid Bettancourt, do Amor nos Tempos do Cólera, do Renê Higuita, do melhor café do mundo, da cocaína e das milícias, embora não esteja desacompanhada do Brasil nos dois últimos quesitos. O que poucos têm noção é que o país do piloto Juan Pablo Montoya também guarda um senhor quinhão de outras jóias maravilhosas. Os Andes colombianos são uma das regiões montanhosas mais ricas em vida silvestre em todo o planeta. Os corais localizados em suas praias caribenhas não encontram rival no Brasil e sua Amazônia ainda está bem preservada, se comparada com vizinhos sul-americanos. Analogamente, bombardeados por uma imprensa centrada no Hemisfério Norte, poucos de nós sabemos que Bogotá é uma cidade vibrante que implantou alguns projetos revolucionários em nível mundial.
A capital colombiana não chega a ser uma cidade moderna ou imponente. Quando comparada a outros centros urbanos da América Latina, perde em charme para Buenos Aires (Argentina), em organização para Santiago (Chile) e em beleza para Quito (Equador). Mas não se deixe enganar. Bogotá é uma metrópole interessantíssima. Ali, tanto o corpo quanto a alma encontram alimentos de primeira categoria. A cidade está cheia de restaurantes com comida local e internacional de fazer salivar e alberga um conjunto de livrarias que faz jus à obra de Gabriel García Márquez. Também há uma série de instituições culturais muito bem arrumadas e com acervos para ninguém botar defeito, como o Museu do Ouro e o Museu Botero.
Em Bogotá há alguns projetos que merecem ser melhor estudados pelo Brasil. Entre eles, destaca-se a parceria entre os diversos níveis de governo que modernizou e saneou a polícia. Mas não se preocupe leitor. Sei bem que O Eco não é um espaço para discussão sobre segurança pública. Vou tratar aqui de outra iniciativa bogotana: as ciclorrutas (ciclovias).
Ciclorrutas Bogotanas é um projeto que está em curso desde 1976 e visa incentivar os cidadãos da capital andina a se moverem em bicicletas. Faz sentido. Bogotá é cercada em três lados por altas escarpas, mas assenta-se no fundo de um grande anfiteatro que se caracteriza por sua topografia sem grandes desníveis de altitude. Inicialmente, as ciclovias materializaram-se com o fechamento ao trânsito automotor todos os sábados, domingos e feriados em cerca de 120 quilômetros de ruas e avenidas. Aos poucos, esse incentivo semanal foi criando uma cultura ciclística na cidade e acabou por criar uma demanda para que houvesse ciclovias também nos dias úteis.
Para atender à pressão popular, desde 1998 o poder público investiu o equivalente a cerca de 130 milhões de reais em projetos e obras de execução de outros 120 quilômetros de ciclovias, estas últimas dedicadas exclusivamente e em caráter permanente ao trânsito ciclístico. A resposta popular não tardou. Hoje, dados oficiais estimam que 83 mil bogotanos transitam diariamente nas ciclovias urbanas.
O problema é que o número de pedaleiros estancou nos últimos anos. Segundo pesquisas do Observatório de Mobilidade da Câmara de Comércio de Bogotá, apenas 4% dos usuários utilizam a bicicleta como meio de transporte para o trabalho, ou para o local de estudo. Com vistas a corrigir o problema e não deixar a peteca (ou a bicicleta) cair, a prefeitura anunciou que entregará 20 novos quilômetros de ciclovias nos próximos quatro anos, prioritariamente ligando as rotas já existentes a universidades, grandes escolas e centros laborais. Também está sendo estudada a implantação de uma rede de bicicletas públicas de aluguel nos centros de ensino superior, estações de trem e de metrô, centros comerciais e estacionamentos de automóveis na área central de Bogotá.
A ideia é boa e tem tudo para dar certo. Experiências na Europa, Estados Unidos e Austrália já mostraram que, havendo uma infra-estrutura de vestiários e de estacionamento, a população tende a se utilizar da bicicleta como meio de transporte e não apenas como opção de lazer.
No Brasil, há cidades que bem poderiam se inspirar no modelo bogotano e avançar. Recentemente, em viagem pelo Nordeste, pude testemunhar algumas iniciativas alentadoras, como as de Aracaju (Sergipe), onde vi ciclovias repletas de pessoas indo e vindo sobre duas rodas com roupas de trabalho; e em Salvador (Bahia), que está completando um grande corredor cicloviário na orla entre o Rio Vermelho e Itapoã, com direito à ligação por ciclovia até a Paralela, através do Parque do Pituaçu, vigiado por policiais militares devidamente montados em suas bicicletas.
Por outro lado, o Rio de Janeiro, infelizmente, parece ter arrefecido. A capital fluminense foi a pioneira no país em montar uma excelente rede cicloviária, em suas zonas Sul e Oeste, e hoje encontra-se bastante interligada, permitindo ao ciclista de lazer executar grandes viagens. A ciclovia carioca também leva o pedaleiro até grandes universidades, como a PUC, a Santa Úrsula e a Veiga de Almeida, bem como ao coração financeiro da cidade, facilitando a vida das pessoas que estudam ou trabalham. Recentemente, contudo, houve alguns retrocessos. Os chuveiros, vestiários e bicicletários que haviam sido previstos nos contratos de concessão pública de uma série de garagens subterrâneas de automóveis, construídas no centro da cidade em princípios do século, acabaram sucumbindo ao lobby rodoviarista e tiveram seus espaços ocupados por mais vagas para carros.
Além disso, literalmente jogou-se dinheiro público fora com a execução mal feita da ciclovia Tricolor e da ligação Lagoa-Botafogo. Ao que tudo indica, foram projetadas por alguém que nunca subiu em uma magrela e resultaram em traçados tão mal feitos que os ciclistas os rejeitaram, preferindo pedalar nas ruas, onde são obrigados a dividir o espaço com carros e ônibus. Por fim, o estado de deterioração das ciclovias da Floresta da Tijuca e da Rua Pacheco Leão preocupa. Nada, contudo, que comprometa (ainda) a Rede Carioca de Ciclovias e que não possa ser consertado. Eis um desafio ao novo prefeito.
Por fim, o caso de Bogotá me lembra, com uma ponta de tristeza, nossa própria capital, Brasília. Plana, cheia de espaços que possibilitariam a construção de ciclovias sem interferência no tráfego de automóveis e com centros laborais e de estudo espacialmente concentrados, a cidade tinha tudo para ser o paraíso da locomoção em duas rodas. Uma ciclovia correndo o Eixão, de ponta a ponta, ligada por um ramal à Esplanada dos Ministérios, poderia ser um grande catalizador do uso do transporte alternativo. Analogamente, as entrequadras poderiam albergar rotas cicloviárias. Por outro lado, bastaria a vontade presidencial para que todos os ministérios, onde substancial parcela da massa trabalhadora brasiliense bate ponto, fizessem pequenas obras, instalando chuveiros e vestiários em seus subsolos.
Em poucos anos, o investimento se pagaria em termos de menor gasto com problemas de saúde e com economia de gasolina. Em qualquer país razoável, essa decisão já teria sido tomada há tempos. Se depender da classe dirigente do Distrito Federal, parece que vai demorar. Mas há luz no fim do túnel. Em recente conversa com Cláudio Langone, ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, fiquei sabendo que o Banco Mundial teria condicionado a liberação de empréstimos à capital à construção de ciclovias. Oxalá!
(O Eco, 20/02/2009)