Terminou sem acordo a audiência de conciliação realizada na 3ª Vara da Justiça Federal no Acre, onde a indústria de cosméticos Natura é acusada pelo Ministério Público Federal (MPF) de exploração indevida de conhecimento tradicional da etnia ashaninka da aldeia Apiwtxa do Rio Amônea, na fronteira Brasil-Peru. Além da Natura, estão arroladas na ação civil pública com pedido de antecipação de tutela a Chemyunion Química LTDA e o empresário Fábio Dias Fernandes, proprietário da empresa Tawaya, de Cruzeiro do Sul (AC), fabricante de um sabonete com ativo de murmuru.
Embora fosse uma audiência pública, os advogados da Natura recusaram a presença da imprensa quando o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes comunicou-lhes que jornalistas queriam acompanhar a tentativa de acordo promovida pela Justiça Federal.
- A nossa cliente não tem o menor interesse que a audiência seja acompanhada pela imprensa - alegou um dos dois advogados da Natura. Durante a audiência, eles reclamaram da repercussão negativa que o caso estava tendo para a imagem da fabricante de cosméticos. No final, os advogados da Natura sairam pelos fundos do prédio da Justiça Federal para evitar a imprensa.
A ação civil pública do MPF requer que o material pesquisado e produzido pelo empresário Fábio Fernandes seja devolvido à comunidade ashaninka, bem como apresente relatório detalhado de quais pessoas, laboratórios e empresas tiveram acesso ao material, as datas respectivas e as senhas para decodificação.
O MPF também pede que sejam declaradas nulas de pleno direito, e não produzam efeitos jurídicos, as patentes ou direitos de propriedade intelectual (inclusive marcas comerciais) concedidas ou que vierem a ser concedidas sobre processos ou produtos direta ou indiretamente resultantes da utilização de conhecimentos da comunidade ashaninka, especialmente três pedidos de patente e três pedidos de registros da marca Tawaya.
Na ação, o procurador da República José Lucas Perroni Kalil, pede a inversão do ônus da prova quanto à obtenção do conhecimento para as supostas invenções e marcas. O MPF pede que Fábio Fernandes, Chemyunion Química e a Natura sejam condenados à indenização no montante de 50% do lucro bruto obtido nos anos de exploração até o momento e pelos próximos cinco anos, a contar da data de trânsito em julgado da decisão final. Essa seria a maneira de possibilitar a equânime distribuição dos benefícios quanto à exploração de produtos com murmuru.
Outra exigência do MPF envolve o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para que a Justiça determine que o órgão exija a indicação da origem do acesso ao conhecimento tradicional, e subseqüente equânime distribuição dos benefícios para todo e qualquer pedido de patente ou registro que tenha por objeto marca, invenção, desenho industrial ou modelo de utilidade originado de acesso a conhecimento tradicional.
Por fim, o MPF pede que Fábio Dias Fernandes, a Chemyunion Química e a Natura Cosméticos sejam condenados solidariamente a indenização por danos morais à sociedade e à comunidade, em valor a ser arbitrado pelo juiz Jair Facundes, da 3ª Vara da Justiça Federal no Acre. O valor seria revertido, metade à Associação Apiwtxa e metade ao Fundo Federal de Direitos Difusos.
- O murmuru chegou ao conhecimento da Natura após a pesquisa que era nossa. A empresa viu o potencial dele e passou a entrar no mercado a partir de um projeto da nossa comunidade. As empresas não querem reconhecer nossos direitos porque temem abrir um precedente para outras casos. Mas nós vamos continuar lutando por nossos direitos - afirmou o líder Moisés Ashaninka, cuja expectativa é de que o juiz federal julgue o caso nas próximas semanas, embora a data da audiência de instrução e julgamento não tenho sido definida.
A Convenção da Diversidade Biológica, aprovada no país através do Decreto Legislativo n. 4, ordena a justa recompensa às populações indígenas quando houver utilização de seu conhecimento. De acordo com o MPF, baseado em Gabriela de Pádua Azevedo, “a biopirataria é a apropriação gratuita (ou quase) de um recursos biológico e/ou de um conhecimento tradicional com valor comercial, sem qualquer tipo de retorno ao país ou a comunidade detentora daquele conhecimento - uma ofensa internacional”.
Natura nega biopiratariaO jornalista Mauro Lopes, da assessoria de imprensa da Natura, disse que a reportagem do Blog da Amazônia “está tendo grande repercussão e prejudica fortemente a Natura”. Lopes enviou nota oficial, que traduz basicamente a argumentação exposta pelos advogados da Natura durante a audiência de conciliação:
“Ao contrário do que informa a reportagem do jornalista Altino Machado, publicado no Blog da Amazônia, Natura não está sendo acusada de cometer biopirataria. O Ministério Público do Acre move uma ação para identificar se houve acesso irregular ao conhecimento tradicional associado ao Murumuru por parte de um pesquisador que trabalhou com determinada comunidade indígena do Estado do Acre.
A Natura foi incluída como parte nesta ação apenas porque também possui produtos de Murumuru. No entanto, esta Ação Civil Pública é absolutamente surpreendente e estranha à Natura, que já esclareceu ao Ministério Público Federal do Estado do Acre, ter conhecido as propriedades do Murumuru por meio de estudos feitos por seus pesquisadores internos, com base em bibliografias científicas sobre as propriedades do Murumuru, existentes desde 1941.
A empresa declara que não fez acesso aos conhecimentos tradicionais nem ao ativo murumuru por meio dos índios Ashaninka. A Natura possui protocolo de pedido de autorização de acesso a patrimônio genético do murumuru junto ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), comprovando que acessou a espécie Murumuru na Reserva Extrativista do Médio Juruá, localizada no município de Carauari, Estado do Amazonas, tendo o fornecimento deste ativo esta mesma origem e não possuindo, portanto, nenhuma relação ou vínculo com os índios ASHANINKA, do Estado do Acre.
A empresa reforça seu compromisso com o uso sustentável da biodiversidade brasileira e reconhece o papel relevante de comunidades indígenas e tradicionais como detentoras de conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.
Antecipando-se à evolução da legislação brasileira sobre o tema da biodiversidade, a Natura foi a primeira empresa brasileira a fechar acordos de remuneração sobre o conhecimento tradicional associado, realizando, inclusive, protocolo para obtenção de autorização de acesso perante o CGEN.
Com este aprendizado, sempre que a Natura pretende acessar patrimônio genético e/ou conhecimento tradicional associado solicita autorização de acesso ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), firmando Termos de Anuência Prévia e Contratos para Utilização e Repartição de Benefícios com aquele que é o provedor de patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado a ser usado pela Natura.
Inclusive, a Natura informa que realizou diversas reuniões junto às comunidades da RESEX do Médio Juruá, com a presença do Instituto Chico Mendes e da Secretaria Executiva do CGEN, para fins de firmar o Termo de Anuência Prévia – o que já ocorreu -, documento este que comprova o acesso realizado pela Natura junto à RESEX do Médio Juruá, no Amazonas.
Não é prática da empresa apropriar-se de conhecimentos tradicionais sem reconhecer tal uso e sem seguir as exigências legais, tais como a solicitação de autorização de acesso perante o CGEN e a celebração de termos de anuência prévia e contratos de utilização e repartição de benefícios. Com relação ao murumuru, a postura da empresa não foi diferente e atendeu a legislação para realização do acesso, no entanto, o acesso ocorreu em outra região e não se relaciona, de qualquer forma, com os Ashaninkas.”
(Por Altino Machado, Terra Magazine,
Amazonia.org.br, 18/02/2009)