Quem já andou pelas praias do Sul e Sudeste sabe o quanto venta por lá. Fortes e constantes, os ventos desta região não servem só para despentear os cabelos dos banhistas, mas também para gerar energia. Isto é o que mostra um estudo realizado na Universidade de Delaware, na costa leste dos Estados Unidos. Capitaneado pelo pesquisador brasileiro Felipe Pimenta, é a primeira pesquisa no mundo a avaliar o potencial dos ventos oceânicos brasileiros para geração de energia. O trabalho é apenas uma avaliação preliminar desta alternativa energética, mas pode ser considerado um passo em direção à exploração offshore (fora da costa).
Segundo o último levantamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Brasil possui 31 usinas eólicas em operação e nove em construção. Outras 50 ainda não saíram do papel, mas já foram outorgadas. Todas dentro do território.
Diante deste quadro, o oceanógrafo Felipe Pimenta, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/Ministério da Educação) em Delaware, tentou encontrar novas fontes de energia para o país, fora do continente. “Sabia, por experiência própria, que os ventos eram fortes e persistentes na Região Sul”, disse o pesquisador a O Eco.
A idéia de Pimenta foi fomentada, entre outros motivos, pela simples constatação de que as regiões densamente povoadas, onde é necessário mais energia, tendem a ficar perto da costa, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Assim, era quase lógico que seria uma boa alternativa a construção de usinas em alto mar.
No entanto, o pesquisador esbarrou logo de cara em um detalhe operacional imprescindível para a realização do trabalho. Enquanto os Estados Unidos têm um conjunto de grandes bóias de acompanhamento dos ventos em suas águas costeiras, inclusive na Baía de Delaware, no Brasil ele só poderia contar com dados das únicas duas bóias existentes na costa sul e sudeste do país, controladas pela Marinha e Petrobras.
A solução foi usar imagens de satélite da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) que acompanha a velocidade dos ventos em todo o mundo, fazendo medições a 10 metros da superfície dos oceanos. O que Pimenta fez foi extrapolar as velocidades para 80 a 100 metros de altitude, onde costumam ficar os cata-ventos das usinas eólicas. Assim, calculou a quantidade de energia que seria produzida e identificou as médias destas medições para obter uma estimativa de produção durante todo o ano.
“O trabalho levou aproximadamente dois anos. Tivemos algumas etapas tentando assimilar outras formas de dados complementares aos dados das bóias meteorológicas. No final, os dados de satélite foram os mais úteis”, explicou.
A conclusão a que Pimenta chegou foi a de que as costas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina seriam as mais viáveis para a instalação de usinas eólicas offshore no país. Para o Sudeste, as regiões de Cabo Frio e Espírito Santo são as mais promissoras.
Vantagens e desvantagens
Segundo Pimenta, em comparação com um sistema tradicional, a usina offshore é mais vantajosa porque os ventos em alto mar são mais fortes e mais constantes pela ausência de barreiras físicas como vegetação, montanhas ou prédios.
Para se ter uma idéia deste potencial, vale uma comparação. De acordo com dados da Aneel, as 31 usinas eólicas brasileiras têm potência de 405,5 Kilowatts (KW), o que representa apenas 0,39 % do potencial geral do país. Se nas áreas offshore de maior potencial fossem implantadas usinas com a tecnologia existente, os parques eólicos em alto mar poderiam produzir 102 Gigawatts (GW). A média nacional necessária para abastecer todo o país em 2008 foi de 100 GW.
Por enquanto, os países europeus são líderes na exploração offshore. Lá, já se fala em interconexão de parques eólicos entre países para uma geração mais estável de energia. Nos Estados Unidos, existem várias propostas sendo defendidas, mas ainda nenhuma fazenda offshore instalada. A expectativa é de que, em dois anos, a primeira usina deste tipo comece a ser instalada, provavelmente na costa de Delaware.
Custo versus benefício
O grande entrave para a implementação de uma usina eólica offshore ainda é o custo. O preço de instalação de uma turbina em águas rasas (ainda não existe tecnologia para instalação de turbinas em águas mais profundas do que 50 metros) pode chegar a 5 milhões de dólares para uma turbina de 5 Megawatts (MW). Logo, um parque eólico de cem turbinas, para geração de 500 MW, chegaria à faixa de 500 milhões de dólares.
No entanto, para Pimenta, não é somente o custo da tecnologia que deve ser levado em conta. “Os custos devem ser pesados pela energia gerada por esses parques em comparação a uma fazenda sobre o continente”, argumentou.
Segundo ele, a avaliação realizada para a Região Sul fornece um valor prático do recurso total, baseado em três fatores: tecnologia de turbinas existente; limites de áreas disponíveis para a instalação das fazendas eólicas (tirando-se áreas de preservação, rotas migratórias e de pesca); e características dos ventos regionais. Mesmo com potencial de geração de 100 GW de energia, na prática somente uma fração deste recurso pode ser explorada. Um parque eólico de 1000 MW, por exemplo, seria composto de aproximadamente 450 turbinas de 5 MW cada, trabalhando em média a 44% de sua capacidade máxima.
Planos brasileiros
Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nivalde de Castro, especialista na dinâmica do setor elétrico no Brasil, o país “não tem, nem vai ter tão cedo” uma usina offshore. “É uma energia muito cara e o país não tem conhecimento para implementação”, disse. Segundo ele, os países que optam por esse tipo de geração são aqueles sem disponibilidade de terras, o que não é o caso do Brasil.
Castro também argumenta que o país não tem muitos problemas de barreiras físicas, já que as áreas onde estão instaladas usinas terrestres são bastante abertas, como as do Rio Grande do Norte. Além disso, a capacidade de utilização de uma turbina eólica em terra no Brasil é o dobro dos países europeus. “Na Europa, esta capacidade é de 20%. No Brasil, é quase 40%”, diz.
Já para Pimenta, a instalação de usinas eólicas offshore no Brasil é “completamente viável”. Segundo ele, a implementação dependerá de uma avaliação mais detalhada dos recursos e custos de realização. “A exploração de recursos offshore será uma transição promissora e complementar da matriz energética atual. O caminho até lá, entretanto, dependerá de investimentos em pesquisa e desenvolvimento e cooperação entre centros de pesquisa e meio privado”, diz.
Até o momento, nenhum representante dos governos federal ou estaduais ou de instituição de pesquisa o procurou para conhecer o estudo.
Energia eólica e das ondas do mar estão na pauta para 2009. Nas últimas décadas, a fonte eolielétrica escalou patamares significativos. A queda do custo ficou entre 15 a 20% a cada três anos. O preço é considerado competitivo. Países europeus se esforçam para atingir a meta de 12% de participação na produção elétrica mundial em 2020. A parcela referente a este tipo de energia é fundamental para que se alcance esta meta.
Estudos sobre a geração de energia eolielétrica mostra que a superfície dos oceanos apresenta-se sem rugosidade resultando em maiores velocidades do vento. As condições dos ventos nos oceanos são muito mais favoráveis, sendo mais velozes e estáveis que na terra. O Ceará é o estado nordestino que lidera a geração de energia eólica no Brasil contando com velocidade de vento superior a 7 m/s.
O nordeste do Brasil e os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estes últimos conforme artigo em pauta, poderão ser beneficiados por este legado da natureza.
(O Eco, 18/02/2009)