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Dorothy Stang
2009-02-19
Quatro anos após o assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, Regivaldo Pereira Galvão, o "Taradão", acusado de ser um dos mandantes do crime, deve ir a júri até junho deste ano. Essa é a promessa pública feita pelo desembargador Rômulo Nunes, presidente do Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA), que assumiu o cargo no início deste mês.

O compromisso veio após audiência com cerca de 30 representantes do Comitê Dorothy Stang - criado após a morte da religiosa -, na sede do TJ-PA, na última quinta-feira (12). Os procuradores da República Felício Pontes Jr. e Alan Mansur, e a representante da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção Pará (OAB-PA), Mary Cohen, também participaram do encontro.

O Comitê Dorothy exige ainda a anulação da sentença que absolveu Vitalmiro Bastos de Moura (Bida), outro acusado de encomendar o crime. Ele foi condenado a 30 anos de prisão em regime fechado em maio de 2007. Um ano depois, porém, uma decisão do júri popular livrou "Bida" da pena.

De acordo com relato do procurador Felício Pontes Jr., o desembargador Rômulo Nunes entende que o caso Dorothy Stang é "emblemático". "O que saiu de efetivo (da reunião) foi o empenho pessoal [de Rômulo] no sentido de que os dois réus à espera de decisão do Poder Judiciário possam ter os casos julgados neste semestre", afirma. Se não for possível agendar o julgamento até junho, Rômulo assumiu o compromisso de fazê-lo até o final de 2009.

A sinalização do TJ paraense consolida uma mudança de estratégia da própria acusação. Numa primeira etapa, houve uma tentativa de federalizar o caso. O objetivo era fazer com que tanto a apuração como o julgamento fossem realizados respectivamente pela Polícia Federal e pela Justiça Federal. Com a ação, os aliados de Dorothy pretendiam "blindar" a decisão das autoridades judiciárias contra a influência dos proprietários locais. O pedido de federalização foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

"Taradão" é o único acusado pela morte da missionária que não foi julgado. Os pedidos para retirada da acusação já foram negados em todas as instâncias do Justiça. Até o momento, três pessoas estão presas pelo crime. Os pistoleiros Rayfran das Neves (Fogoió) e Clodoaldo Batista (Eduardo) cumprem penas, respectivamente, de 28 e 17 anos de prisão. Já o intermediário Amair da Cunha (Tato) foi condenado a 18 anos de reclusão.

Nesta segunda-feira (16), a Justiça Federal concedeu um novo habeas corpus para "Taradão". Ele estava preso desde dezembro de 2008, acusado de grilagem de terra e de estelionato por apropriação de áreas públicas. Antes disso, o fazendeiro chegou a ficar detido durante mais de um ano pelo assassinato de Dorothy, mas foi solto em 2006 por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele aguarda o julgamento em liberdade.

A mais recente prisão do fazendeiro acrescentou um fato novo que guarda ligação com o caso Dorothy. Segundo a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) no Pará, Regivaldo tentou negociar o lote 55, que ocupa cerca de três mil hectares do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, fundado pela irmã morte-americana em Anapu (PA).

Uma ata do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) registra reunião ocorrida no fim de outubro do ano passado entre "Taradão" e Ulaí Nogueira, chefe da unidade avançada do órgão federal em Altamira (PA). As terras são cobiçadas por pecuaristas. "Taradão", porém, sempre alegou não ter motivo para mandar matar a irmã Dorothy, pois não teria interesse pela área. Esse é o seu principal argumento de defesa.

Segundo o procurador Felício Pontes Jr., há um conjunto de provas que demonstram que ele ainda tem interesse em tirar proveito da "grilagem" do lote 55. "As investigações do MPF e da PF mostraram que ele tinha documento sobre o lote 55, fez vendas ilegais e, na última reunião com o Incra em outubro, tentou negociar com os assentados que lá estão".

Crimes
A situação de "Bida" também permanece indefinida. O Ministério Público do Estado do Pará (MPE-PA) solicitou a anulação do julgamento. A justificativa é o uso de prova ilegal: uma filmagem de entrevista de Bida na cadeia, utilizada sem autorização. O caso agora está no TJ-PA. Para que haja um novo júri, a 2ª Câmara Criminal, composta por três desembargadores, terá que anular o último. "O Bida parece ser um laranja na história para escamotear o verdadeiro dono das terras, que é o Regivaldo", pondera Felício.

Para a irmã Margarida Pantoja, coordenadora do Comitê Dorothy Stang, o retorno prematuro de "Taradão" ao local do crime no ano passado mostra uma crença na impunidade. "Ele foi tão cínico, e já foi tão favorecido pela Justiça, que acreditou que mais uma vez ela não iria funcionar", critica.

Além da acusação pela morte da irmã Dorothy, "Taradão" e "Bida" respondem a uma ação judicial por trabalho escravo. Em 2007, o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) flagrou 28 trabalhadores em condição análoga à escravidão na Fazenda Rio Verde, a 60 km de Anapu. Por causa do flagrante, Bida, Vander Paixão Bastos de Moura e Valdivino Felipe de Andrade Filho foram denunciados à Justiça Federal.

Além das denúncias por homicídio qualificado, trabalho escravo, grilagem e estelionato por apropriação de terras públicas, o fazendeiro "Taradão" é acusado também  por crimes ambientais e fraudes contra a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

Para Margarida, a punição de Regivaldo teria um efeito direto no contexto de disputa pela terra e evitaria um recrudescimento da violência contra lideranças rurais. "A condenação de mando de assassinato no campo significa a falência do consórcio que mata trabalhador há tanto tempo no Pará".

Grilagem
Em depoimento no site do Comitê Regivaldo É Inocente, "Taradão" aparece em diversas fotos ao lado da família e usa trechos da Bíblia para argumentar em sua defesa. Ele é apresentado como "mais uma inocente vítima de erro judiciário, caso seja condenado com base na fragilidade dos indícios".

"Não sou grileiro de terras", afirma o acusado. "Todas as terras que eu possuo foram adquiridas legalmente, pois paguei por elas após pesquisas que comprovaram as autenticidades das documentações".

Segundo Felício Pontes Jr, Regivaldo já apresentou sete versões diferentes sobre a sua participação no lote 55 da Gleba Bacajá, em Anapu. Um dos argumentos divulgados sustenta que ele teria repassado a posse da área para "Bida" antes do assassinato. "O argumento cai por terra quando em outubro do ano passado ele vai para o Incra e se diz dono do lote", diz Felício.

O lote 55, onde Dorothy foi assassinada, é uma área de três mil hectares próxima à Rodovia Transamazônica, em Anapu (PA). Sob litígio judicial, é o epicentro de um histórico conflito fundiário.

A vila de Anapu surgiu no início da década de 1970. Na época, a ditadura militar implementava um programa de licitação fundiária na Amazônia. Sob o slogan "Terra sem Homens para Homens sem Terra", o governo vendia as terras a um preço ínfimo para que habitantes do Centro-Sul do país pudessem se assentar. O objetivo era ocupar o "vazio" amazônico, prover mão-de-obra para empreendimentos na região e diminuir a pressão pela reforma agrária.

O lote 55 foi um dos terrenos colocados à venda, mediante um Contrato de Alienação de Terra Pública (CAPT). "O primeiro dono jamais pisou no lote 55", afirma o procurador Felício. Segundo ele, os contratos continham uma cláusula que determinava que o espaço que não houvesse empresa instalada seria incorporado pelo governo federal. Apenas em 2004, o Incra conseguiu na Justiça a reversão das terras do lote 55 para a União.

Os problemas, porém, começaram a se intensificar na década de 1990. Foi quando se intensificou o processo de fraudes dos contratos, nos quais as terras foram "griladas" como propriedades particulares. "A partir daí, pessoas como o Regivaldo fizeram transações comerciais com isso", explica Felício.

Traição
Neste ano, o caso Dorothy estará novamente em evidência. Além do provável julgamento de Galvão, o documentário "Mataram a Irmã Dorothy" (2008), de Daniel Junge, deve ser veiculado nos cinemas do país. "Vamos priorizar a questão de formação de redes de apoio", confirma Margarida.

Apesar da perspectiva de ampliar a rede de solidariadade e mobilização, a comunidade não deve obter o auxílio do poder público local. Nas últimas eleições, Francisco de Assis Sousa, o Chiquinho do PT, elegeu-se prefeito em Anapu tendo como vice o fazendeiro Délio Fernandes (PRP), que também foi investigado como suspeito de ter sido um dos mandantes do assassinato de Dorothy. Ele não chegou a ser denunciado pelos promotores.

O petista era considerado o principal aliado da missionária no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, do qual foi presidente. Durante sua adolescência, ele recebeu educação religiosa de Stang, Em 2003, elaborou, ao lado de Dorothy, um documento acusando Fernandes de grilagem de terras.

Irmã Margarida ainda lamenta a mudança repentina e classifica a nova aliança política como "estúpida". "A gente considerou uma traição. O Chiquinho do PT foi praticamente criado pela Dorothy. Agora ele teve até a campanha financiada pelo Regivaldo. Ele traiu a causa".

Histórico
Natural de Ohio (EUA), a missionária Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros - um deles na nuca - aos 73 anos, em fevereiro de 2005. Ela foi alvejada numa estrada vicinal de Anapu. Ligada à Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dorothy fazia parte da Congregação de Notre Dame de Namur, da Igreja Católica. Naturalizada brasileira, ela atuava no país desde 1966.

Dorothy defendia os Programas de Desenvolvimento Sustentável (PDSs) como modelo de reforma agrária na Amazônia. Os PDSs têm como base a prática do manejo integrado dos recursos naturais. Existem dois PDSs (Virola-Jatobá e Esperança) e mais de 20 Projetos de Assentamento (PAs) na região de Anapu. Ao todo, são cerca de 600 famílias beneficiadas. A comunidade cultiva produtos como cacau, arroz, feijão, banana e farinha de mandioca.

A repercussão internacional do assassinato de Dorothy tornou o caso simbólico, unificando temáticas como a luta pelos direitos humanos, a questão do direito à terra e a preservação ambiental. "Talvez (Regivaldo) seja o primeiro mandante desses crimes de conflito no campo a ser julgado e condenado no Estado", afirma o procurador da República. Segundo ele, atualmente há 204 lideranças rurais ameaçadas de morte no Pará.

(Por Maurício Reimberg, Repórter Brasil, 18/02/2009)

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