Um dia, um cidadão francês quis saber onde estava a ser plantado o milho transgénico no seu município, Sausheim (Alta Alsácia). As autoridades locais recusaram dar-lhe a informação. Pierre Azelvandre não se conformou e hoje, quase cinco anos depois, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias deu-lhe razão: os Estados membros têm a obrigação de informar os cidadãos sobre a localização dos ensaios transgénicos por causa dos impactos no ambiente.
Pierre Azelvandre vive num país responsável por uma das maiores polémicas do momento em relação à aceitação dos organismos geneticamente modificados (OGM) na União Europeia. Em Fevereiro de 2008, a França suspendeu a plantação de milho MON810, produto da norte-americana Monsanto resistente a um insecto, alegando as incertezas quanto aos riscos para as culturas tradicionais e para o ambiente. Fê-lo através de uma cláusula de salvaguarda. A utilização desta figura não agrada nada à Comissão Europeia que tenta forçar Paris a levantar essa suspensão. Ontem, numa votação de peritos da UE, onze países ficaram do lado da França. E, por enquanto, o impasse mantém-se.
Hoje, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias anunciou a sua decisão: os cidadãos têm o direito de ser informados da localização dos campos de ensaio de OGM. Mas antes de ouvir esta sentença, Pierre Azelvandre teve de ouvir vários “não”.
A 21 de Abril de 2004, este francês requereu ao presidente da Câmara de Sausheim que lhe fosse transmitida a localização da parcela plantada e de futuras plantações transgénicas. Não obteve resposta. Em Junho desse ano dirigiu-se à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos que se pronunciou contra a divulgação da localização, alegando que tal poderia pôr em causa o segredo da vida privada e a segurança das explorações. Em vários países da Europa, activistas contra os transgénicos têm destruído alguns campos de ensaios de OGM.
Azelvandre recorreu aos tribunais franceses e, na sequência disso, o Conseil d'État pediu a intervenção do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Este tribunal decidiu hoje que “o público interessado pode pedir toda a informação transmitida pelo notificante no âmbito do procedimento de autorização relativo à libertação” dos OGM.
“Em caso algum pode manter-se confidencial” a informação relativa à localização dos campos de ensaio, declara o Tribunal europeu, ainda que possam manter-se confidenciais as informações que possam prejudicar uma posição concorrencial. O tribunal invocou dois documentos legislativos europeus para rejeitar as argumentações do município de Sausheim. A Directiva 2001/18/CE , de 12 de Março de 2001, exige que “os dados relativos à avaliação dos riscos ambientais não se mantenham confidenciais”. “Uma reserva relativa à protecção da ordem pública ou outros interesses protegidos por lei não é oponível à comunicação das informações referidas na directiva. O receio de dificuldades internas não pode justificar a não aplicação correcta do direito comunitário por um Estado-Membro”, conclui o tribunal.
Por outro lado, a Directiva 2003/4/CE, de 28 de Janeiro de 2003 sobre acesso do público às informações sobre ambiente, prevê que “um Estado membro não pode invocar uma disposição excepcional das directivas relativas à liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente para recusar o acesso a informações que seriam do domínio público”.
Os cidadãos europeus mantêm-se cépticos quanto aos benefícios dos OGM propalados pela indústria da biotecnologia e não raras vezes referem-se a estas culturas como “alimentos Frankenstein”, devido aos receios de que possam prejudicar os humanos e a natureza através de uma propagação descontrolada de genes modificados. Mas o jogo de forças que já dura há vários anos na União Europeia arrisca-se a ter um desfecho favorável aos defensores dos transgénicos, tanto mais que o país que assume a presidência rotativa da UE, a República Checa, é um dos mais favoráveis aos OGM.
(Por Helena Geraldes, Ecosfera, 17/02/2009)