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escassez de água
2009-02-18

Gastam-se cerca de 75 litros de água para produzir 473 mililitros de cerveja, quase 500 litros para fabricar uma garrafa de 2 litros de refrigerante e 1.892 litros, incluindo o necessário para cultivar, tingir e processar o algodão, para fabricar uma calça jeans desbotada.

Embora boa parte da água seja recuperada pelos ciclos naturais, algumas empresas começaram a acompanhar tais "pegadas d'água", diante da futura ameaça de escassez. Algumas estão mensurando não apenas a água usada para produzir bebidas ou em sistemas de ar condicionado, mas também os litros usados para plantar ingredientes como algodão, açúcar, trigo, chá e tomates.

Essa tendência, inspirada em parte nas "pegadas de carbono", padrão amplamente difundido para acompanhar as emissões de dióxido de carbono, toma força ao mesmo tempo em que as reservas de água potável são esgotadas ou poluídas em muitas regiões. As mudanças climáticas provocaram o derretimento das calotas polares, enfraquecendo uma fonte crucial de água potável. E a demanda mundial crescente por alimento e energia amplifica a pressão sobre os recursos cada vez menores.

Dois terços da população mundial devem enfrentar escassez de água até 2025, segundo a Organização das Nações Unidas. Nos Estados Unidos, administradores dos recursos hídricos de 36 Estados preveem escassez a partir de 2013, mostra um relatório da Controladoria Geral do governo americano. Políticos da Geórgia tentaram sem sucesso modificar a fronteira do Estado para o norte, permitindo que usufruísse do Rio Tennessee.

A prática de contabilizar as pegadas d'água cresceu nas empresas interessadas em proteger suas cadeias de suprimentos agrícolas da futura escassez hídrica. Representantes de mais de 100 empresas, como Nike, PepsiCo, Levi Strauss & Co e Starbucks se reúnem semana que vem em Miami para uma conferência sobre como calcular e reduzir o consumo de água. Em dezembro, um grupo de cientistas, empresas e agências de desenvolvimento criou a Rede Pegada d'Água, uma ONG internacional que ajuda empresas e governos a medir e administrar o consumo.

O conceito de pegada d'água foi criado em 2002 por Arjen Hoekstra, professor de administração hídrica da Universidade de Twente (Holanda). Usando dados da FAO, agência da ONU para agricultura e alimentação, Hoekstra e outros pesquisadores mediram a quantidade de água usada para fabricar vários produtos e aplicaram essas estatísticas aos padrões de consumo das pessoas, para obter uma estimativa da pegada de água do indivíduo médio e dos países.

Uma nova onda de pesquisas sobre deu às empresas e governos novas ferramentas para acompanhar não apenas a água que consomem diretamente, mas também os litros gastos para quase tudo, de detergente americano ou carne argentina a laranjas espanholas ou algodão do Paquistão. Um copo de café, em geral, demanda 132 litros para ser produzido. Uma camiseta de algodão, 2.649 litros, e um hambúrguer, 2.382 litros - mais de três vezes a quantidade que o americano usa em média todos os dias para beber, tomar banho, lavar louça e dar descarga no vaso sanitário.

Uma pegada d'água considerável não é necessariamente ruim se o produto vir de uma área com abundância e boa administração de recursos hídricos. Praticamente toda a água usada na agricultura e produção de alimentos é recuperada pelo ciclo da água, na evaporação ou em sobras poluídas. Mas ela fica temporariamente indisponível para outros usos, e pode não ser restaurada ao mesmo aquífero, lago ou rio caso vire chuva em outra região. Isso cria problemas para áreas mais secas. "É renovável, mas não é ilimitado", dia Hoekstra.

Alguns especialistas duvidam da precisão e utilidade desse conceito, que varia a depender de onde e como o produto é feito. As laranjas do Brasil podem ter uma pegada d'água maior que a das laranjas espanholas, mas podem ser uma escolha melhor se cultivadas numa área em que a água é abundante e bem administrada. "É difícil calcular isso", diz Peter Gleick, presidente do Pacific Institute, um grupo ambientalista de Oakland (Califórnia).

Contar a pegada de água de produtos manufaturados pode ser trabalhoso, diante da falta de padrões claros para o que deve ser medido para calcular a pegada de água. Algumas empresas medem apenas a água usada nas operações da fábrica; outras contam os litros usados para plantar os ingredientes de sua cadeia de suprimento, e ainda há quem tome nota da água usada pelos clientes para lavar roupas, louças ou seus produtos.

As engarrafadoras da Coca-Cola usam pouco mais de 3,7 litros para produzir uma garrafa de 2 litros de refrigerante. Mas esse número sobe para até 500 litros por garrafa de 2 litros se for acrescentada a água usada para produzir insumos como a cana-de-açúcar, segundo dados da Coca-Cola enviados à ONG World Wildlife Fund. Uma porta-voz da Coca-Cola disse que a pegada d'água da empresa ainda é um número preliminar e pode ser modificado à medida que a metodologia for melhorada.

"Quando você tenta reduzir um assunto complexo a um simples número, a metodologia é tão inconsistente e imprecisa que a possibilidade de manipulação e desinformação acaba enfraquecendo-a", diz Wayne Balta, diretor de assuntos ambientais e segurança de produto da International Business Machines Corp..

Os ambientalistas estão divididos em relação à real contribuição do cálculo das pegadas d'água para os esforços de conservação. "As pegadas têm seu lugar, mas não são uma panaceia", diz Nick Hepworth, diretor da Water Witness Internacional, uma ONG internacional de defesa da água. As empresas podem sentir a consciência limpa com o cálculo de suas pegadas d'água, diz Hepworth, "mas no final ainda existe a necessidade de uma auditoria objetiva".

Apesar de todos os desafios envolvidos, o acompanhamento das pegadas d'água deve continuar a sua expansão. A Unilever , dona de mais 400 marcas em todo o mundo, calcula que economizou US$ 26 milhões reduzindo o desperdício de água em suas fábricas de 2001 a 2007. Recentemente, a empresa começou a reduzir a água usada para cultivar os ingredientes de seu chá Lipton e do molho de tomate Ragu, com um sistema de irrigação por gotejamento em suas plantações de chá preto na Tanzânia e de tomate nos EUA. Esse esforço pode ter um impacto significativo: a Unilever compra 7% dos tomates do mundo e 12% da oferta mundial de chá preto.

Especialistas em administração hídrica começaram a construir modelos para projetos que deem "créditos d'água", permitindo que as fabricantes de bebidas e outros grandes consumidores de água diminuam seu impacto com o financiamento de projetos de saneamento e conservação.

A PepsiCo recentemente experimentou um programa para ajudar os produtores de arroz em 1.618 hectares na Índia a trocar o sistema de irrigação por escorrimento e adaptar a produção para a semeadura direta, um método que exige menos água e torna a lavoura mais resistente a inundações. A PepsiCo pode expandir o projeto para 2.428 hectares, calculando que a economia de água será equivalente ao consumo anual de todas as suas fábricas na Índia.

"Mais 3 bilhões de pessoas vão morar no planeta (até 2050)", diz Stuart Orr, gerente do programa de Pegada d'Água Potável da WWF. "De alguma maneira, vamos ter que usar a mesma quantidade de água que usamos hoje em dia."

(Por Alexandra Alter, The Wall Street Journal, Valor Econômico, 18/02/2009)


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