Maior aposta do governo federal para tentar superar o histórico caos fundiário na região amazônica, foi lançado na sexta-feira (13) em Boa Vista o Programa Terra Legal, que pretende regularizar nos próximos três anos cerca de 296 mil propriedades rurais de até 15 módulos fiscais (máximo de mil e quinhentos hectares) em todos os estados que compõem a Amazônia Legal. Coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em parceria com os governos estaduais, o Terra Legal será aplicado às propriedades ocupadas até dezembro de 2004 e abrangerá uma área total de 67,4 milhões de hectares.
A apresentação oficial do Terra Legal foi feita durante o IV Fórum de Governadores da Amazônia Legal, que se encerrou no último fim de semana na capital de Roraima. Estiveram presentes, além dos ministros Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos), os governadores José Anchieta Júnior (Roraima), Eduardo Braga (Amazonas), Blairo Maggi (Mato Grosso), Marcelo Miranda (Tocantins), Waldez Góes (Amapá) e Ivo Cassol (Rondônia), e os vice-governadores Odair Santos Corrêa (Pará), Carlos Correia de Messias (Acre) e Luiz Carlos Porto (Maranhão).
Até que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva batesse o martelo sobre o formato do Terra Legal, o que só aconteceu no final de janeiro, a reestruturação do processo de regularização fundiária na Amazônia foi alvo de grande disputa interna no governo. Inicialmente propostos por Mangabeira Unger, o afastamento do Incra do processo de regularização na região e a criação de uma agência executiva para prestar esse serviço acabaram sendo rejeitados por Lula, numa decisão que fortaleceu Guilherme Cassel, contrário à idéia.
Para atenuar a exposição de Mangabeira após a derrota no embate político travado entre os dois ministros, Lula adotou uma solução intermediária, que foi a criação de uma nova diretoria no MDA - a Diretoria Extraordinária de Regularização Fundiária na Amazônia Legal - que vai coordenar os escritórios estaduais do Programa Terra Legal. Para a nova diretoria, foram deslocados 350 servidores do Incra, segundo a associação nacional de servidores do instituto. Na prática, portanto, a regularização fundiária permanece sob o controle de Cassel e sua equipe.
Um claro gesto político para demonstrar que o Incra não está excluído do novo processo de regularização fundiária na Amazônia foi feito pelo coordenador nacional do Terra Legal, Carlos Guedes de Guedes, por ocasião de sua visita à Roraima. Durante a reunião com as autoridades estaduais em que foram discutidas as bases do lançamento do programa no estado, Guedes se fez acompanhar pelo superintendente do Incra em Roraima, Titonho Bezerra.
“Perfeitamente adequado”
Logo após a decisão de Lula, Mangabeira, que permanece na coordenação do Programa Amazônia Sustentável (PAS), já havia sinalizado sua intenção de não forçar a disputa interna no governo: “Eu estava pronto a trabalhar com qualquer uma das formas, mas estou confiante que esse instrumento que o presidente Lula desenhou será perfeitamente adequado”, disse o ministro, em entrevista à Agência Brasil.
Mangabeira também mudou de tom quando indagado sobre a participação do Incra no novo processo: “Não vou apontar erros. Nosso objetivo é resolver um problema prático e não emitir um boletim de avaliação. Isso não vai servir ao resultado. Agora, temos que olhar para frente e aproveitar o conhecimento de todos, inclusive dos funcionários do Incra, para essa grande tarefa”, disse.
A apresentação do Terra Legal em Boa Vista foi realizada pelo secretário-executivo do MDA, Daniel Maia, que fez um balanço das ações de regularização fundiária empreendidas pelo governo a partir da pauta enviada no ano passado pelos governadores amazônicos ao presidente Lula. Maia analisou os convênios firmados com os governos estaduais, além do repasse de recursos para a digitalização do acervo fundiário do Amazonas e de Roraima e para a regularização fundiária no Amapá e no Pará.
Metodologia
De acordo com a Medida Provisória 458, que estabelece sua implementação, o Programa Terra Legal traz mudanças na legislação com o objetivo de simplificar os ritos de titulação das propriedades de até 15 módulos fiscais na Amazônia Legal e, desta forma, agilizar a regularização fundiária na região.
Segundo o MDA, no caso das áreas de até um módulo fiscal (cerca de 76 hectares), a titulação será gratuita e o processo deverá ser concluído entre 60 e 120 dias, a partir do cadastramento da posse. Propriedades com tamanho entre um e quatro módulos fiscais terão valor diferenciado, abaixo do valor de mercado, com 20 anos para pagamento e três anos de carência. O rito será o mesmo utilizado para as áreas de até um módulo.
As áreas entre quatro e 15 módulos fiscais, de acordo com o ministério, seguem regras semelhantes no prazo de pagamento. O valor, no entanto, será o de mercado, descontadas as benfeitorias. Cada titulação de propriedade será precedida de vistoria dos imóveis para avaliação das benfeitorias e da antiguidade da posse.
Nas três situações, garante o MDA, será exigido o cumprimento da legislação ambiental, com a preservação de pelo menos 80% da área nativa. As áreas tituladas não poderão ser vendidas dentro de um prazo de dez anos, mas poderão servir como garantia para financiamentos junto a instituições financeiras.
(Agência Carta Maior, 17/02/2009)