O Protocolo de Kyoto está gerando um benefício extra: os países que o assinaram aumentaram o ritmo de desenvolvimento de tecnologias mitigadoras do efeito estufa. Publicado em dezembro, um trabalho feito por pesquisadores do Centro de Economia Industrial (Cerna) da França e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) esmiuçou todas as patentes de tecnologias amigas do clima entre 1978 e 2003. Embora o acompanhamento de patentes não abarque toda a criação ou transferência de tecnologia, elas são um forte indicador desses fluxos. O resultado mostra que, após Kyoto, países signatários, como Japão e Alemanha, aceleraram as inovações na área, enquanto os que não aderiram, caso dos Estados Unidos e Austrália*, não exibiram diferença. Do lado dos emergentes, China, Coréia e Rússia surpreenderam com uma ótima performance. Os resultados do Brasil foram discretos.
O estudo abarcou patentes em 13 áreas relacionadas ao clima, sete classificadas em energia renovável (hidroelétrica, eólica, solar, biomassa, reaproveitamento de lixo, geotérmica e oceânica), além de destruição de metano, cimento ecológico, conservação de energia em edifícios, iluminação eficiente, injeção eletrônica e captura de carbono. No total, foram 273 mil patentes relacionadas a clima (cerca de 1% de todas as patentes) registradas em 76 países. As áreas que tiveram maior aceleração após Kyoto foram iluminação, lixo, eólica, biomassa e metano.
Três países concentram dois terços das inovações na área climática, medidas por patentes registradas. Disparado na frente vem o Japão, seguido por Estados Unidos e Alemanha. Sozinho, o Japão é líder em 12 dos 13 setores estudados e produz quatro vezes mais patentes, gerando 40,8% do total, contra 12,8% dos Estados Unidos e 12,7% da Alemanha. O quarto, quinto e sexto lugares pertencem à China, Coréia e Rússia com, respectivamente, 5,6%, 4,6% e 4,2% dos registros. O Brasil está em décimo, com apenas 1,1%. Perder para a gigantesca China ou para a vigorosa Coréia, vá lá. Mas levar uma goleada de um país conturbado como a Rússia deveria ser motivo para reflexão.
Exportando inovações
O trabalho também se debruçou sobre a exportação de novas tecnologias, medida pelas patentes que são registradas em pelo menos um país além daquele em que foi gerada. Um dos aspectos mais relevantes para o desenvolvimento econômico é a capacidade de absorção tecnológica. Quanto mais avançado for o estado da arte de um país, maior sua produtividade e, por conseqüência, renda per capita. Como a geração de tecnologia nos países ricos e no mundo em geral é muitas vezes maior do que a capacidade de um país só, que dirá um país em desenvolvimento, sua capacidade de absorção é uma das principais alavancas de crescimento. No caso de tecnologias mitigadoras do efeito estufa, o mesmo é desejável, pois a maior parte delas também é gerada nos países ricos.
Nesse caso, os resultados não foram animadores. O tratado de Kyoto não aumentou a taxa de transferência de tecnologias climáticas, que se manteve na faixa de 25% das patentes. O número é baixo, mas parecido com o de transferência tecnológica em geral. Os autores também descobriram que 75% desse fluxo ocorre no sentido chamado Norte-Norte, entre países ricos. Na direção Norte-Sul, de ricos para emergentes, a taxa é de 18%, mas está crescendo rapidamente. Por fim, a difusão Sul-Sul, de emergentes a emergentes, é quase zero.
Conclui-se que Kyoto teve um efeito positivo nas pesquisas e que existe um enorme potencial para o aumento de transferência tecnológica dos países desenvolvidos para emergentes e pobres. Considerando que os primeiros largaram na frente da industrialização e iniciaram as contribuições para o aquecimento global, trata-se também de uma obrigação moral. Fica a curiosidade de se descobrir porque não existe mais troca entre emergentes, já que a tecnologia que desenvolvem tem grande chance de ser compatível com países semelhantes. Talvez o alto custo do registro de uma patente não seja compensado em mercados menores. Ou a baixa proteção de direitos de propriedade intelectual e a cópia sem autorização seja o maior empecilho.
O fato é que todos se beneficiariam com a maior difusão tecnológica no setor, baixando custos e evitando a reinvenção da roda. Via mercados de carbono, a compra de reduções de emissão a um custo mais barato nos emergentes compensaria o auxílio tecnológico dos ricos. Eis uma questão em que o setor público poderia harmonizar os interesses, cuidando para que, quando o custo de desenvolvimento fosse privado, as transferências tivessem remunerações aceitáveis.
Afinal, ao contrário de uma máquina ou qualquer outro bem material, o conhecimento, puro ou tecnológico, tem uma característica fantástica, pode ser usado por todos ao mesmo tempo.
(O Eco, 16/02/2009)