O atestado de óbito do Ártico está assinado. Nas próximas duas décadas, a região, pelo menos na forma como ela é conhecida hoje, deixará de existir. Por causa do aquecimento global, uma reação em cadeia já é percebida todos os anos na região, afirmaram especialistas em ciência polar reunidos ontem em Chicago, na 175ª Reunião Anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência).
Nada indica, dizem eles, que se trate de um mero ciclo passageiro. A temperatura na região norte do globo pode aumentar em até 7 C até o meio deste século. "Teremos um verão sem gelo no Ártico em 2030 ou antes disso", calcula Mark Serreze, da Universidade de Colorado (Boulder). Segundo o pesquisador, o que tem acontecido recentemente em toda a área já pode ser explicado pela ciência.
Enquanto o ar próximo à superfície marinha aquece, causando o derretimento da camada de gelo sobre o mar -e também sobre a terra-, o oceano Atlântico, que também está mais quente, tem jogado esse calor para o norte.
A consequência é que esquenta tanto por cima quanto por baixo, explica Serreze. E isso é que tem causado a diminuição do gelo em toda a região, com números recordes nos últimos verões principalmente. Com menos gelo, a preocupação com uma certa ocupação da região ártica também deve aumentar, disse Serreze durante sua conferência.
Para ele, pode aumentar não apenas a navegação em toda a área -e nos últimos anos algumas rotas antes bloqueadas por gelo ficaram navegáveis- como a exploração de petróleo. E, sobre isso, também existem vários projetos em curso, principalmente nos Estados Unidos.
Todo cuidado é importante, disse o cientista, porque na verdade o "Ártico está mais quente em todas as estações do ano, não apenas no verão". A questão, se passa pelo problema do urso-polar e de toda a fauna, é muito mais ampla que isso, disse Serreze. "Já temos problema de erosão costeira em algumas zonas. Sem gelo, o vento movimenta mais a água."
Ciclo de carbonoA mudança de comportamento registrada em todo o Ártico é tão crítica, na visão do pesquisador, que o ciclo de carbono também pode ser drasticamente alterado. Com o calor, a tendência é que toda a matéria orgânica congelada no solo do Ártico libere o carbono para a atmosfera.
"Toda a região que antes ficava coberta de gelo está sendo exposta dez dias antes do previsto e ficando sem gelo até nove dias depois do esperado", disse na conferência Matt Sturm, do Laboratório de Pesquisa e Engenharia de Regiões Frias do Exército dos EUA.
Segundo o especialista, essa alteração tem significados importantes para a tundra ártica, ecossistema formado por uma vegetação bastante rasteira, alimentada principalmente pela água do degelo.
"O que está ocorrendo é um aumento da quantidade de vegetação arbustiva na tundra, por causa do aquecimento", afirma Sturm. Segundo ele, além dessa mudança de vegetação, existe outra em andamento por motivo idêntico.
A probalidade de uma mesma área da floresta boreal queimar aumentou em mais de 30%, disse o especialista. O resultado dessas queimadas, e do aumento de matéria vegetal sobre toda a região ártica, também vai alterar o ciclo da carbono, segundo Sturm.
O pesquisador, por morar no Alasca, tem também outra preocupação. "Todas essas mudanças afetam o ecossistema, mas também alteram a vida das pessoas que moram no Ártico." Existem aproximadamente 4 milhões de pessoas que vivem na região hoje.
(Por Eduardo Geraque,
Folha de S. Paulo, 14/02/2009)