O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deve apresentar no dia 19, quinta-feira da semana que vem, seu voto-vista sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Para o ministro, o julgamento deve acontecer no começo de março. “Vou votar como se fosse o relator, mas não sei ainda o meu convencimento”, afirmou à Consultor Jurídico. A demarcação contínua já tem oito votos a favor. Além de Marco Aurélio, faltam os votos de Celso de Mello e Gilmar Mendes.
Marco Aurélio diz que deve analisar questões processuais da ação. “A questão é importante, pois está em jogo a integridade do território brasileiro”, afirma o ministro, lembrando que não pensará sobre se os colegas podem ou não mudar de posição. Ele cita como uma questão a ser analisada o laudo antropológico da Funai preparado apenas por um antropólogo.
Ministro Marco Aurélio recebe representantes indígenas - Nelson Jr/SCO/STFNesta quinta-feira (11/2), o ministro teve uma audiência com líderes indígenas de comunidades que são contra a demarcação contínua (foto). “Eles são brasileiros com título de eleitor e carteira de identidade. Sempre é interessante ouvir todos os lados”, afirma.
O processo sobre a Raposa Serra do Sol foi levado ao Plenário no dia 10 de dezembro. Na oportunidade, além do mérito que define a legalidade da demarcação da reserva em Roraima, os ministros julgaram também a suspensão da liminar que impediu que a PF retirasse imediatamente os não-índios que estão estabelecidos na área demarcada. A situação de confronto foi evitada com o pedido de vista feito por Marco Aurélio, depois que oito ministros se manifestaram pela suspensão da liminar. Os mesmos votaram pela demarcação contínua da terra e pela retirada dos arrozeiros. Marco Aurélio explicou na época que pediu vista porque queria evitar conflitos na região.“Não interessava à sociedade brasileira a Polícia Federal entrar agora na área de demarcação”, afirmou no dia seguinte ao julgamento. Para Marco Aurélio, foi necessário esperar para acomodação dos interesses.
Uma parte dos índios da reserva disputam a área com cinco arrozeiros. A colheita do arroz na região é feita no começo do ano. Depois do julgamento em dezembro, o líder dos fazendeiros, Paulo César Quartiero, deu sinais de já ter desistido da briga. Segundo ele mesmo diz, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao saber que estava sendo deslojado da reserva, lhe ofereceu terras para plantar soja e milho naquele pais. Quartiero diz que tem laços de amizade com Chavez.
Formalismo maleávelNo julgamento no Plenário do STF em dezembro, a liturgia da corte foi deixada de lado. Segundo mais antigo da casa, Marco Aurélio teria que esperar o pronunciamento de seis ministros depois de Menezes Direito apresentar seu voto-vista. No entanto, ele antecipou o seu pedido de vista. Contrariando regra não escrita do tribunal, os outros ministros também anteciparam seus votos. Apenas o decano Celso de Mello e o presidente da corte, Gilmar Mendes, respeitaram o pedido.
“Não estou convencido de qualquer erro dos colegas. O regimento é democrático”, minimizou Marco Aurélio. Para ele, a evolução é constante no Supremo. Ele lembra que esse tipo de situação pode acontecer quando se fica na posição minoritária.
Ao se debruçar sobre o decreto presidencial de homologação, o Supremo estabeleceu como a União deve proceder, segundo a Constituição de 1988, nas demarcações de terras indígenas. Oito ministros — Carlos Britto (relator), Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Ellen Gracie — pronunciaram-se a favor da demarcação.
O voto que prevaleceu foi de Menezes Direito. Além de manter a demarcação contínua e determinar a retirada dos arrozeiros, Direito estabeleceu 18 condições para as demarcações das terras indígenas. As ressalvas de Menezes Direito se referem à pesquisa e lavra de riquezas minerais e à exploração de potenciais energéticos, além de questões envolvendo a soberania nacional.
Usando uma técnica inovadora — como afirmou Carlos Britto —, o ministro Menezes Direito criou uma espécie de diretriz sumular, a qual a União deve seguir quando analisar o caso das, pelo menos, 227 terras indígenas que ainda estão à espera de definição. Até o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), que é contra a demarcação, comemorou a saída do Supremo.
Durante o julgamento, os ministros demonstraram que a relevância da decisão ultrapassa o caso da Raposa Serra do Sol. Debatia-se ali uma importante questão fundiária, já que as terras indígenas representam 12% do território nacional. Além disso, a maior parte dessas terras está localizada na Floresta Amazônica.
(Consultor Jurídico, 12/02/2009)