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2009-02-12

Na forma de uma ocorrência quase comum nas regiões cobertas pelo bioma amazônico, a corrupção caracteriza-se como um dos principais entraves no combate ao desmatamento, extração ilegal de madeira e demais crimes ambientais contra a floresta.  Perde-se o controle quando aqueles que deveriam estar lá para impedir tais atrocidades preferem receber propina para fechar os olhos diante das mesmas.

O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que conta com um efetivo de 1400 agentes para fiscalizar a Amazônia, tem batido de frente com os esquemas fraudulentos agilizados por seus próprios homens.  O site Amazônia.org conversou com o Coordenador Geral de Fiscalização do Ibama, Luciano Evaristo, que já trabalhou em seis casos dentro da comissão de processos disciplinares.

Evaristo comentou as razões que levam um fiscal a praticar um ato de corrupção, colocando como principal motivo a distância de sua sede administrativa e a agressividade do ambiente.  "Muitas vezes o agente fica entre a opção: é se vender ou morrer", afirmou o coordenador.

Além disso, o coordenador explicou quais ações o Ibama tem tomado para reduzir os casos, como a instalação de um sistema informatizado para registro das autuações, a mudança na política de deixar os infratores como fiel depositário de mercadorias apreendidas (isto é, deixar o material sob posse do infrator até que seja decidido o destino da mesma) além de um grande trabalho de capacitação com os agentes.

Veja entrevista na íntegra abaixo:

Amazônia.org - Quantos funcionários do Ibama atuam hoje na fiscalização na Amazônia?
Luciano Evaristo
- Apesar de, em campo, termos 500 fiscais na Amazônia, não são só eles que trabalham lá.  Há sempre uma rotatividade que totalizam os 1400.  Nos meses de pico de desmatamento chegamos a usar todo esse efetivo.  Fazemos o rodízio em períodos de 30 dias.

Amazônia.org - Quais os tipos de corrupção mais comuns na região?
Luciano Evaristo
- Os casos mais comuns de corrupção estão ligados à propina.  O fiscal autua, mas não executa o ato fiscal e negocia o valor da multa.  Este é o maior tipo de corrupção que existe na Amazônia.

Amazônia.org - Depois que a madeira ilegal é apreendida, qual o próximo passo?
Luciano Evaristo
- Vamos separar em dois momentos.  Até uns dois anos atrás o método era colocar o infrator como fiel depositário.  A partir do ano passado estamos tomando outras medidas para evitar a todo custo deixar a mercadoria com o infrator.  Estamos procurando destinar a madeira, colocar a cargo do exército brasileiro, da Polícia Federal e outros parceiros e entidades federais.

Outra estratégia que também temos usado é colocar em prática um termo de cooperação com a Secretaria de Meio Ambiente do Pará.  Desta forma, eles recolhem a madeira e leiloam.  Os recursos são divididos entra a Sema [Secretaria do Meio Ambiente do Estado] e o Ibama.

Amazônia.org - Quantas multas são aplicadas anualmente?
Luciano Evaristo
- Só em 2008, já estamos na casa dos R$ 2,5 bilhões em autos de infração.  Digo que "já estamos" por que ainda não temos tudo computado.  Ainda está chegando a nosso sistema outros processamentos de auto de infração das operações deste ano.

Amazônia.org - Destas multas, qual a porcentagem que é paga?
Luciano Evaristo
- É um número baixo.  Isso acontece muito em função da quantidade de recursos que o infrator tem.  Além da esfera administrativa, ele ainda pode apelar para a esfera judicial.  Cria-se um protelatório que agente está procurando melhorar.  Parte dessa melhora está no novo decreto 6514.  A partir dele reduziremos as instancias de recursos possíveis para os infratores de três para duas.  Mesmo assim, ainda persiste a questão do âmbito judicial que o infrator pode apelar e muitas vezes isso joga a resolução, muitos anos à frente.

Outro fator que era bastante determinante, mas está mudando é a baixa qualidade da informação, que ocorria até 2002.  Nesta época o conjunto probatório não era calcado no geo-referenciamento.  Com esta tecnologia a autuação vem com mais cor.  Na medida em que o agente detecta o ilícito, já elaboramos o geo-referenciamento.  A prova da infração fica no mapa, completamente visível e nenhum juiz consegue derrubar.  Isso tem melhorado a questão da própria sustentação do auto de infração.  Essas imagens são conseguidas em pareceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que repassa para nosso centro de monitoramento, que por sua vez, repassa para as equipes de campo que vão para onde o desmatamento se mostra ativo.

Amazônia.org - Só na semana retrasada, dois esquemas milionários (fraude do DOF/Imap e Esquema do INCRA/Sema) de extração ilegal foram descobertos e destruídos.  Quais os trabalhos que o Ibama realiza para evitar a formação deste tipo de esquema?
Luciano Evaristo
- Temos apoiado todas as operações da Polícia Federal, ajudando no sentido de pegar esses maus elementos e puni-los devidamente.  Quanto à abertura dos inquéritos policiais, agente tem procurado fazer os processos administrativos disciplinares, para dar celeridade a questão da penalização dos agentes envolvidos na corrupção.

Além disso, estamos reforçando nossa parte de capacitação, ampliando os cursos de atualização, chamando os agentes mais pra perto da administração, para que eles vejam que não há mais aquela história do fiscal do Ibama com aquele poder de agir a seu bel prazer.  Outro ponto é a criação dos sistemas de cadastros da fiscalização, que também tirou um pouco da facilidade do agente tinha para trabalhar.  Antigamente o fiscal pegava o auto de infração, preenchia, entregava para o infrator, depois ele fazia um mais baixo, depois um mais baixo ainda, ia negociando aquilo com o infrator.  Esta prática hoje é muito menos fraudável, pois todos os autos são cadastrados no sistema.  Toda a anulação é preciso explicação.

A própria concepção nossa de fiscalização, principalmente no último ano, mudou.  Agora pensamos na fiscalização como aquela em que prevalece o interesse da instituição e do meio ambiente acima do interesse individual do agente.  Hoje o fiscal vai lá, autua a madeireira, apreende a madeira, quem decide para onde vai o material não é mais o próprio fiscal, mas a administração.  De maneira mais centralizada, sem aquela ter aquela autonomia, que acabava por gerar corrupção.

Amazônia.org - Os casos de corrupção centralizam-se no agente, ou acabam passando para outros setores ou órgãos públicos?
Luciano Evaristo
- Já enfrentamos casos de corrupção tanto no trabalho de campo, do agente tentando extorquir o madeireiro, como o madeireiro praticando corrupção ativa em cima do agente, pressionando o agente para corrupção, como também encontramos a participação de outros servidores, por exemplo, na inserção de créditos irregulares no DOF.  Porém, estes casos deixam rastros no sistema, acabam sendo descobertos e levam a um processo disciplinar com mais facilidade.

Amazônia.org - É correto dizer que este tipo de problema acontece com maior freqüência na região Amazônica?  Por que isso?
Luciano Evaristo
- Na Amazônia há uma facilidade maior tendo em vista as grandes áreas remotas em que você trabalha, na distância do agente de sua administração e também na própria questão no crime ambiental na Amazônia.  Veja o Estado do Pará, onde existe grilagem de terras públicas, mas o poder público nunca chegou a botar o pé em algumas regiões.  Neste caso, o agente cai diante do crime.  Muitas vezes fica entre a opção de se vender ou morrer.  Normalmente há esta dicotomia.

Enquanto o Estado brasileiro não colocar presença maciça em todas essas áreas, ainda vamos sofrer este problema.  Afinal de contas, o ilegal vai querer sair de alguma forma, vai querer fazer de tudo para não ser autuado, embargado.  E, estando nosso agente mais distante dos órgãos públicos - eu vejo o Ibama como o órgão público que vai aos rincões mais longínquos da Amazônia, ele vai sucumbir.  Quando todos os órgãos trabalharem em conjunto nestas áreas, o efeito da corrupção diminuirá.

Amazônia.org - Como o instituto tem colaborado com a Polícia Federal para o combate a esquemas de propinas em órgãos públicos?
Luciano Evaristo
- Quando a Polícia Federal precisa de apoio técnico do Ibama para verificar documentos ambientais ou de nosso sistema informatizado, existe esta cooperação.  Estamos sempre apoiando A Polícia Federal seja em uma investigação contra um agente nosso, seja em cima de outros órgãos públicos federais.

Amazônia.org - O Ibama já foi alvo de alguma investigação que envolvia esquemas de corrupção na Amazônia?  Como foi resolvido?
Luciano Evaristo
- Sim, a principal foi a operação Curupira (2003), no Mato Grosso.  Foi a primeira grande operação que mexeu nas estruturas da corrupção dentro da instituição.  Dentro dela, temos cerca de 40 agentes respondendo processo disciplinar.  Eles foram flagrados na questão da propina pelas escutas da polícia federal e essa grande operação foi um marco.  Em seguida dela, várias operações ocorreram, eu mesmo participei da "Operação Cerrado", na Bahia onde demitimos dez fiscais.

Amazônia.org - Então é possível dizer que houve uma diminuição nos casos de corrupção nos últimos anos?
Luciano Evaristo
- Sim.  A própria questão da corrupção, que havia antigamente, vem sendo melhorada graças à melhoria nos concursos que temos feito.  Temos ingressado uma nova massa crítica na instituição, um pessoal mais acadêmico, com mais formação.  A própria coordenação com Polícia Federal e a prisão desses meliantes está desestimulando as ações de corrupção no órgão.  Ainda existe, mas é bem menor do que antigamente.

Temos hoje maior preocupação em melhorar a qualidade de nosso pessoal.  A própria questão da lei da carreira do servidor do Ibama trouxe um salário melhor, o que ajudou na diminuição da corrupção.  Fora isso tem o rígido controle que temos na portaria de fiscalização.  Antes de o agente ingressar, verificamos todos os sistemas de dados, para descobrir se já não têm precedentes.  O sujeito só entra na portaria depois de passar em um bom pente fino.

Amazônia.org - Atualmente, quantos agentes e fiscais estão sob investigação?
Luciano Evaristo
- De 2004 a 2008, foram 191 processos disciplinares, que ocasionaram 68 demissões no órgão.  Só em 2008 foram 15.  Mas o caso grande, que é o Curupira, já está em fase de encerramento.  Podemos esperar no mínimo uma meia centena de operadores demitidos.

(Amazônia.org, 11/02/2009)


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