A partir do mês que vem, cientistas do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) devem partir de Manaus para uma série de expedições com o objetivo nada modesto de sequenciar o genoma da Amazônia. Ou quase isso: eles querem descobrir o que torna algumas criaturas aquáticas da floresta tão especiais, e como seu DNA pode ajudar a indústria, a agricultura e a medicina.
O projeto, batizado Adapta (Centro e Estudo de Adaptações da Biota Aquática da Amazônia) é um dos centros amazônicos que receberam verba do programa federal de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. Ele terá R$ 7 milhões em três anos para fazer o primeiro esforço sistemático de genômica ambiental da Amazônia.
Genômica ambiental é o sequenciamento dos genes de diversos organismos que habitam um mesmo ecossistema -um rio, um trecho de solo ou uma floresta. Nesse tipo de estudo, o que interessa é saber quais genes são ligados ou desligados pelas criaturas para responder a um mesmo desafio imposto pelo ambiente.
A partir da coleta de material desses organismos, os cientistas do Adapta pretendem montar uma grande "biblioteca" de sequências expressas, ou seja, de genes ativados em ambientes em que, por uma razão ou outra, a vida fica difícil.
E lugares assim são o que não falta no 1,3 milhão de quilômetros quadrados de áreas inundadas da Amazônia. As regiões de várzea, por exemplo, todo ano se transformam num inferno tóxico quando a água sobe.
Como há muita matéria em decomposição nos solos, a várzea vira um caldo com pouco oxigênio e muito ácido sulfídrico e metano, onde peixes como o tambaqui precisam se virar para não morrer intoxicados.
Estudos anteriores já mostraram que a estratégia de sobrevivência do tambaqui, por exemplo, é desligar uma série de processos metabólicos e ligar outros. Outro peixe, o acará-açu, simplesmente reduz seu metabolismo.
As formas como essas criaturas fazem isso serão mapeadas, em busca de eventuais proteínas de interesse comercial ou científico. E criaturas a investigar também não faltam: só peixes são 2.500 espécies. Além dos peixes, serão investigados mamíferos, plantas, invertebrados e micróbios.
Vida no esgotoNem todos os estresses impostos à fauna aquática amazônica são naturais. A região está pontilhada de hidrelétricas, zonas de exploração mineral e igarapés (córregos) contaminados por esgoto. O grupo do Inpa vai pescar genes também nesses lugares. Um dos objetivos do Adapta é identificar ao menos dez produtos -como enzimas, hormônios e antibióticos- e patentear ao menos cinco deles durante a vigência do projeto.
"Uma proteína que possa conferir resistência ao ambiente inóspito da várzea, genes de crescimento para a agropecuária ou produtos para controle biológico de insetos" podem resultar da investigação, enumera Adalberto Val, diretor do Inpa. "Não temos ideia do que vamos encontrar", diz, apesar de o trabalho não ser uma busca no escuro total, e sim orientado por pesquisas já feitas.
"Não é neste projeto que vamos encontrar a cura para todas as doenças", diz Val. Em compensação, pode ser o embrião de uma indústria de biotecnologia amazônica, algo visto por vários cientistas como um meio economicamente viável de manter a floresta em pé.
"Muitos desses produtos exigirão a criação de cadeias produtivas", afirma Val. Mas nada é para agora, adverte. "Você precisa ter grupos estruturados para poder desencadear o interesse das empresas."
Pioneiro americano foi proibido de coletar DNA no AmazonasA primeira proposta de fazer genômica ambiental na Amazônia não partiu de cientistas brasileiros. Seu autor foi o cientista-empresário americano Craig Venter. Em 2004, ele anunciou que entraria no rio Amazonas num veleiro para coletar micróbios e estudar possíveis genes de interesse médico ou industrial nas amostras. O governo brasileiro achou que o projeto tinha cara e cheiro de biopirataria e negou autorização.
(Por Claudio Angelo,
Folha de S. Paulo, 11/02/2009)