O supervisor de engenharia da Ford, Celso Duarte, costuma comparar a busca de materiais reciclados a uma tarefa de arqueologia. "Você vai fuçando e sempre descobre coisas novas". Além das inúmeras fibras naturais, com as quais a indústria automobilística vem trabalhando, a sucata de objetos é cada vez mais usada em peças fabricadas a partir de plásticos injetados.
Cada vez que visita os núcleos de reciclagem, Duarte se surpreende com a quantidade de coisas que podem ser reutilizadas. As caixas de computadores de mesa estão entre as peças que podem se tornar, quando transformadas novamente em plástico injetado, componentes que integram o painel de instrumentos ou apoios de braço do veículo.
Não é apenas isso. O arsenal da sucata plástica inclui as próprias tampinhas das garrafas PET e também cadeiras de praia, copinhos para café e água, recipientes para alimentos, baldes e até brinquedos.
Além dos reciclados, os fabricantes de automóveis aprimoram a cada dia que passa o desenvolvimento do uso de fibras naturais. Desde 2003, a Volkswagen começou a utilizar a fibra do curauá, uma planta nativa da floresta amazônica que pertence à família do abacaxi.
Essa fibra é usada no revestimento dos tetos do Gol, Fox e Polo. A planta é cultivada por uma cooperativa de pessoas carentes que habitam pequenas comunidades nas imediações de Santarém, no Pará. "Esse projeto também tem um cunho social", afirma o gerente de planejamento e desenvolvimento de produto da Volks, Antonio Carnielli Filho. O projeto social é uma parceria da Volks com o seu fornecedor.
A fibra do Carauá tem acabamento resistente e, segundo a Volks, é reciclável, absorve pouca umidade, não tem odor, tem toque suave e, em seu processo de produção, consome pouca energia. Para gerar as fibras, a folha do curauá - uma fruta pequena e comestível - passa por uma espécie de pente de agulhas. A seguir, as fibras, de coloração esverdeada, são lavadas e colocadas para secar, expostas diretamente ao sol em varais.
"Está nascendo o carro ecologicamente correto", comenta Carnielli. A Ford começou a testar peças plásticas feitas com material reciclado e fibra de sisal. Resultado de quatro anos de pesquisa, segundo a empresa, a utilização desses materiais será uma realidade na produção em série dos veículos da marca em um futuro não tão distante. A companhia já entrou com pedido de patente da tecnologia que utiliza polipropileno reciclado e fibra de sisal para a confecção de peças plásticas injetadas ou moldadas.
A Ford explica que as peças plásticas são confeccionadas com 50% de polipropileno reciclado, 30% de fibra de sisal e 20% de polipropileno virgem. Segundo o supervisor de engenharia da Ford, Celso Duarte, uma das preocupações que motivou o projeto foi de reduzir a dependência de materiais que causam impacto no meio ambiente e também reduzir o impacto da volatilidade do preços do barril de petróleo, de onde é extraído o polipropileno virgem.
De acordo com o executivo, a empresa também busca esse tipo de alternativa como forma de começar a construir o automóvel 100% reciclável. "Temos normas a seguir para alcançar os padrões necessários", destaca Duarte. A partir de 2010 os mercados da Europa e Estados Unidos exigirão que seus veículos tenham 70% de partes recicláveis.
Além disso, explica Duarte, as peças ficam mais resistentes e leves. Isso diminui o peso do veículo em pelo menos 10%, trazendo benefícios para o consumo de combustível. Segundo ele, a montadora tem parcerias com universidades brasileiras, como a de São Carlos, no interior de São Paulo, para o desenvolvimento de novos materiais.
O painel das portas, console central, a tampa do porta-malas e o acabamento interno do teto deverão ser feitos no futuro com sisal e polipropileno reciclado. Um Ka, o modelo mais compacto da Ford, possui hoje no interior até 100 quilos de polipropileno virgem. A aplicação da tecnologia reduzirá a necessidade do material derivado de petróleo.
(Por Marli Olmos,
Valor Econômico, 11/02/2009)