Decisão de reduzir a área de reserva legal às margens das rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém) e BR-230 (Transamazônica) e proposta de flexibilização dos licenciamentos das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na região amazônica provocam nova polêmica no governo e imediata reação contrária da sociedade civil.O avanço nas definições sobre as políticas ambientais para a Amazônia faz crescer no governo federal um clima de tensão, seja internamente ou no âmbito de sua relação com o movimento socioambientalista. Nos últimos dias, a decisão de reduzir a área de reserva legal nas propriedades localizadas às margens das rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém) e BR-230 (Transamazônica) e a apresentação de uma proposta de flexibilização dos licenciamentos das obras do PAC na região amazônica provocaram novas polêmicas entre ministros e a imediata reação contrária de algumas organizações da sociedade civil.
Aprovada em 5 de fevereiro pela Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional, colegiado criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e formado por 13 ministérios, a redução de 80% para 50% da área de reserva legal mínima obrigatória nas proximidades da BR-163 e da BR-230 tem, segundo o governo, o objetivo de conter o crescente desmatamento nessas duas áreas. Com a nova regra, aqueles proprietários que já desmataram suas terras (maioria dos casos na área de influência das duas rodovias) serão obrigados a reflorestar apenas metade delas, podendo utilizar a outra metade para a agricultura e a pecuária.
A decisão da comissão interministerial fará com que cerca de 700 mil hectares de floresta deixem de ser recompostos com espécies nativas da Amazônia. Apesar de ter sido aprovada de forma consensual, a nova regra foi recebida com reticências em alguns ministérios, como demonstrou o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) que, logo após defender a proposta de redução da reserva legal para um grupo de jornalistas e afirmar que “nessas áreas, o desmatamento atinge 90%”, preferiu se ausentar da votação.
No movimento socioambientalista, a novidade não foi bem recebida: “Se o nível de desmatamento no entorno das duas rodovias é grande, é porque os órgãos do poder público nunca tiveram estrutura para combater esse crime ambiental. Quem garante que o governo agora vai fazer os proprietários cumprirem o acordo? Essa decisão atende a algumas demandas, mas pode ser um equívoco muito grande”, avalia Ivan Marcelo, secretário-executivo do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente (FBOMS).
O argumento, usado pelo governo, de que as novas regras aumentarão a legalidade às margens da BR-163 e da BR-230 é refutado pelo diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão: “O problema não é se a reserva legal é de 80%, de 50% ou de 30%, mas sim o fato de não haver fiscalização para garantir que se cumpra a lei. As novas regas anunciadas servirão mais para perdoar o passado do que para evitar futuros crimes”, afirma.
“Regime especial”Outro motivo de inquietação dentro e fora do governo foi a proposta de flexibilização do licenciamento ambiental para as obras do PAC na Amazônia Legal, elaborada pelo ministro Mangabeira Unger (Secretaria de Assuntos Estratégicos). Na proposta, que já foi encaminhada a Lula, Mangabeira defende um “regime jurídico especial para os projetos do PAC na Amazônia” e sugere que todo o processo de licenciamento ambiental dure no máximo 120 dias, “inclusive nas unidades de conservação, terras indígenas e sítios arqueológicos”.
A idéia teve pronta oposição de Carlos Minc, que classificou a proposta apresentada por Mangabeira de “inconstitucional” e se queixou do fato de o Ministério do Meio Ambiente não ter sido procurado previamente para discutir o tema: “Nenhum outro órgão do governo pode legislar sobre meio ambiente sem a anuência do MMA”, disse o ministro, em entrevista ao jornal O Globo.
Em resposta a Mangabeira, diversas organizações do movimento socioambientalista enviaram ao presidente Lula uma carta na qual afirmam que “não é a flexibilização do licenciamento que irá resolver a falta de estrutura dos órgãos públicos ambientais e a falta de governança que imperam nos assuntos ligados à Amazônia”.
O documento, assinado pelo FBOMS, pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e pelo Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), entre outras importantes redes, afirma também que “as conquistas na política ambiental brasileira vêm sendo desmontadas por sucessivos governos, principalmente o atual”, e pede a Lula que, ao contrário do que deseja Mangabeira, “torne ainda mais eficaz a ferramenta de controle ambiental na Amazônia”.
(Por Maurício Thuswohl,
Carta Maior, 10/02/2009)