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seca e estiagem
2009-02-10

Pastagens amareladas, terra ressecada e animais mortos afligem há meses a região agropecuária mais produtiva de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Os cientistas afirmam que não é possível determinar se é uma manifestação da mudança climática. “A mudança climática não pode ser caracterizada por um único evento, mas por uma seqüência de longo prazo”, disse ao Terramérica o especialista em clima Vicente Barros, da Universidade de Buenos Aires e membro do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática, mais conhecido pela siga em inglês IPCC.

Alguns especialistas acreditam que a escassez de chuvas pode estar relacionada com a influência do La Niña – fase fria do fenômeno climático periódico El Niño/Oscilação do Sul –, que provoca o esfriamento superficial do Oceano Pacífico equatorial e altera o clima da região. “O La Niña ainda está muito forte e os modelos de previsões não estão ajustados para refletir as perturbações que produz”, explica quase diariamente o engenheiro agrônomo e climatologista argentino, Eduardo Sierra.

Em 2007, o IPCC e o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, receberam o prêmio Nobel da Paz por sua contribuição ao conhecimento e divulgação par a sociedade sobre mudança climática ao longo de quase 20 anos. Nos últimos anos, a opinião pública está mais consciente da existência do aquecimento global. “Agora, diante de cada evento, nos perguntam se é a mudança climática”, disse, sorrindo, Barros. Porém, a preocupação tem lógica. A incomum falta de chuvas por vários meses em 2008 e também neste ano – apesar de algumas precipitações este mês, no sul e sudoeste do Brasil, centro e nordeste da Argentina, sul do Paraguai e centro e sudoeste do Uruguai – está provocando perdas milionárias para os setores agropecuário, de produção de alimentos e de exportação.

Tanto Barros quanto os estudiosos José Marengo, do Brasil, e Madeleine Renom, do Uruguai, disseram ao Terramérica que não é possível afirmar que a atual seca seja uma manifestação inequívoca da mudança climática, porque as modificações devem ser avaliadas em uma sequência de longo prazo. Os três coincidiram em que “o que se pode atribuir à mudança climática é a maior variação climática, como flutuações dos máximos e mínimos das chuvas, e a maior frequência, e, em alguns casos, intensidade, dos fenômenos extremos”, como resumiu Renom, licenciada em Ciências Meteorológicas e professora na Faculdade de Ciências da Universidade da República do Uruguai.

Na Argentina, disse Barros, houve tempestades intensas com chuvas mais frequentes do que nas últimas duas décadas na região central, e isso sim pode ser definido como uma mudança. Neste país, a seca atinge a área agropecuária mais produtiva, a central planície dos Pampas. Os produtores calculam que a colheita de grãos caiu 30% e que se perdeu 1,5 milhão de cabeças de gado. O governo decretou emergência agropecuária para as regiões mais afetadas, enquanto meteorologistas e agrônomos procuram determinar o fim do fenômeno.

No Brasil, acostumado à aridez do nordeste, a falta de chuvas surpreendeu os Estados do sul, onde há perdas em cultivos de soja e milho e no gado leiteiro. Os mais afetados foram Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, de 183 mil habitantes, a situação é grave. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, em dezembro, a cidade recebeu menos da metade das chuvas habituais. E, neste mês, embora as condições tenham melhorado, as chuvas foram mais escassas que o habitual. “Ainda que volte a chover, a perda é irreversível”, previu João Chencarek, chefe da Defesa Civil de Dourados, no Mato Grosso do Sul. A seca nesta época do ano “não é comum, e pegou todos os agricultores desprevenidos”, disse.

Para José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), “os extremos climáticos estão associados a variações naturais. Não se pode afirmar que a área afetada se tornou seca”. A falta de chuvas no sul do Brasil coincide com o La Niña, que reduz a umidade na atmosfera e provoca queda das chuvas na região, explicou. Porém, este especialista não acredita que a seca esteja relacionada com o La Niña.

No Uruguai, as autoridades também decretaram estado de emergência, pois estão afetados 25 mil quilômetros quadrados das regiões centro e sudoeste do país, que tem extensão total de 176.220 quilômetros quadrados. Cultivos prejudicados, incêndios florestais, alteração parcial do abastecimento de água potável e morte de gado são algumas das consequências que os uruguaios enfrentam. Também diminuiu a produção de carne e leite, que caiu de três milhões de litros diários para pouco mais de um milhão, segundo a Federação Rural. Embora neste mês algumas chuvas tenham trazido alívio, não solucionaram a seca, disse Renom ao Terramérica.

Quanto ao La Niña, “está tendo uma dinâmica estranha, mas não deve ser culpado por tudo”, já que o déficit de chuvas começou antes do desenvolvimento deste fenômeno periódico. “A previsão nunca foi a de que esta seca seria tão prolongada”, disse Renom. Para prevenir o impacto destes eventos é preciso “pesquisar mais”. Barros, tampouco, acredita que a seca seja efeito do La Niña. “Podemos atribuir a ele uma parte do que ocorreu em novembro e dezembro, mas em janeiro e fevereiro La Niña já não tem incidência em nossa região. Por outro lado, pode ser que a partir de março voltemos a sentir seu impacto”, afirmou.

O sul do Paraguai também sofre a escassez de chuvas. Nas áreas mais afetadas, não choveu por cerca de 40 dias, e em outras caíram apenas 10% das precipitações previstas. A superfície plantada com soja para o ciclo agrícola 2008/2009 é de 2,5 milhões de hectares, dos quais um milhão produzirão apenas um terço por hectare do obtido na colheita anterior. Também há perdas de milho, algodão e gergelim.

“O comportamento das chuvas é bastante errático”, explicou ao Terramérica Edgar Mayeregger, coordenador da Unidade de Gestão de Riscos do Ministério da Agricultura e Pecuária do Paraguai. “Existem lugares onde a produção está sendo salva e outros onde falta uma boa chuva generalizada para superar o problema”, afirmou. Para Mayeregger, a região está novamente sob influência do La Niña. “Houve previsões indicando que esta corrente tenderia a desaparecer (em janeiro e fevereiro), mas estamos tendo estes inconvenientes”, concluiu.

(Envolverde, 09/02/2009)


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