Décadas de insurgência separatista na Caxemira e a conseqüente resposta das Forças Armadas da Índia, além de inúmeras perdas em vidas humanas, exacerbaram os danos à natureza, uma degradação pouco divulgada. “Os problemas de convivência entre humanos e animais assumiu proporções alarmantes na região”, disse à IPS Asghar Inayati, guardião da natureza regional. “Recebemos informes de ataques de animais selvagens que causam mortes, ferimentos (às vezes sérios) a seres humanos e animais domésticos. Nos últimos três anos, 49 pessoas e 404 animais morreram nesses conflitos”, disse Inayati.
Mas, nesse período, 200 animais selvagens também foram resgatados e libertados em seu habitat por pessoal do departamento de natureza, que interveio em situações de risco potencial. “Frequentemente os animais são mortos, capturados ou feridos em represália, o que constitui uma importante ameaça para muitas espécies”, informou ao governo A. K. Srivastava, chefe da guarda florestal da região. No inverno de 2006, uma multidão frenética matou um urso atendo fogo ao seu corpo em uma aldeia do município de Tral, na Caxemira. Nos últimos anos houve muitos incidentes similares. E isto apesar da pena de dois a seis anos para quem matar um urso negro asiático, declarado espécie ameaçada pela Lei da Natureza da Índia.
Srivastava acredita que a constante redução da cobertura florestal devido às operações de corte ilegal seja uma causa direta dos danos à fauna. Desde o começo da insurgência armada na Caxemira em 1989 o governo indiano enviou grandes contingentes militares e paramilitares, na sua maioria para áreas florestais, particularmente ao longo da linha de controle que divide a parte da Caxemira administrada por este país e a controlada pelo Paquistão.
“O enfrentamento entre exército e guerrilheiros separatistas contribui indiretamente para o problema que afeta os animais e os habitantes da área”, disse à IPS um funcionário florestal que não pode ser identificado por causa das normas que regem as declarações à imprensa. “Devido ao movimento humano nas florestas e na demarcada linha de controle, o habitat natural dos animais selvagens foi alterado. Esta é uma das razões para entrarem em assentamentos humanos”, afirmou.
Números não oficiais situam em torno de um milhão a quantidade de soldados e paramilitares enviados para o Estado da Caxemira, embora o governo afirme que a quantidade real “é muito menor”. O exército e os paramilitares estabeleceram acampamentos nas áreas de floresta. “Atualmente há cerca de 671 acampamentos militares na Caxemira, que ocupam mais de 36.420 hectares de território”, segundo o defensor de direitos humanos Gautam Navlakha. Após um acordo de cessar-fogo com o Paquistão em 2003, a Índia ergueu uma barreira que patrulha ao longo da linha de controle, de 742 quilômetros de comprimento.
Nova Délhi acusa o Paquistão de treinar rebeldes da Caxemira de seu lado da linha de controle, bem como de enviá-los para a Índia. “A barreira pode ter impedido que os guerrilheiros cruzassem para este lado da linha, mas teve um impacto sobre o habitat natural dos animais selvagens”, afirmou o funcionário florestal. “Há vários outros fatores que também são responsáveis pelo problema, com redução do habitat animal devido à expansão da população humana, atividades pecuárias e de desenvolvimento, modificações no padrão de uso da terra, mudança climática, e urbanização”, disse o guarda florestal Abdul Rouf Zargar.
Segundo Zargar, os animais selvagens ameaçados incluem o urso negro asiático, o leopardo comum e os macacos rhesus e langur. A Caxemira é lar de várias espécies ameaçadas no mundo, como o veado vermelho da Caxemira, chamado de hangul, e o leopardo nevado, também chamado de onça. Os hangules foram no passado uma importante atração nas florestas rodeadas por montanhas de Dachigam, perto de Srinagar, capital de verão da Caxemira. O hangul é a única subespécie sobrevivente da família dos cervos vermelhos no mundo. Este ano, após sua população cair para 150 exemplares, o departamento da natureza iniciou um programa de reprodução em cativeiro para salvá-lo da extinção.
Os esforços para salvar o leopardo nevado, listado como ameaçado na relação da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), inclui ajudar os criadores de ovelhas e cabras a construir melhores barricadas e abrigos para seus animais. Embora o leopardo nevado raramente ataque humanos, seus hábitos predatórios os levam para abrigos de animais de criação, entrando através de ventilações ou portas e janelas quebradas, onde frequentemente ficam presos e morrem. As autoridades aconselham os cidadãos a enfrentarem o problema e lhe indicou várias pautas a serem seguidas.
“Não podemos frear por completo estes incidentes, mas nos esforçamos para minimizá-los”, disse Inayati. “Adotamos várias medidas, como a formação de comitês de coordenação, um plano exaustivo para atender o problema e estudos de pesquisa”, afirmou. O departamento da natureza lançou um programa de estudo sobre o urso negro asiático que inclui uso do habitat, natureza reprodutiva e comportamento.
“Fixamos colares de rádio aos ursos e rastreamos seus movimentos”, disse Intisar Suhail, guarda florestal no centro da Caxemira. “Capturamos um agressivo há uns dois meses e o mantivemos semi-cativo no Parque Nacional Dachigam, e o libertamos para estudar seu padrão de comportamento usando o colar de rádio e, em seguida, o recapturamos quando começou a atacar humanos novamente”, disse Suhail à IPS. “Agora o submeteremos à “técnica de aversão”, pela qual os animais são submetidos e estímulos desagradáveis a fim de evitar as populações humanas e para que permaneçam nas áreas florestadas”, explicou.
(Por Athar Parvaiz, Envolverde/IPS, 06/02/2009)